Comitê Popular dos Atingidos pela Copa 2014

Belo Horizonte | MG | Brasil

SE O TROPEIRO NÃO VOLTAR A REGIONAL PAMPULHA VAI PARAR!

Hoje, dia 2 de Outubro de 2014, os Barraqueiros do Mineirão ocupam a Regional Pampulha na luta pelo seu retorno ao entorno do Mineirão, tradicional espaço de comércio popular e pelo direito humano ao trabalho.

 

o do estádio de futebol Mineirão desde a década de 60. Em 2010 foram expulsos do seu local de trabalho para dar lugar às obras da Copa do Mundo que acarretariam na privatização do estádio pelo grupo Minas Arena. A época nenhuma alternativa de trabalho ou compensação foi assegurada pelo Estado de Minas Gerais ou pelas empresas do consórcio.

 

Sempre na luta, os barraqueiros se mobilizaram junto ao COPAC, às universidades e órgãos públicos para reivindicar o seu retorno ao Mineirão, além de outras garantias como o direito de trabalhar em feiras temporárias e medidas de compensação justas. Nada além de promessas obtiveram do Estado. A secretaria especial da Copa chegou a exigir que os barraqueiros fizessem cursos de capacitação e de línguas para trabalharem nos estádios e nada do que prometeram foi efetivado.

 

Em 2013 as mobilizações de rua abraçaram a luta dos Barraqueiros e os levaram até a mesa do governador Antônio Anastasia, que se comprometeu com o retorno dos barraqueiros em documento assinado em próprio punho. Em sequência foi instalada uma mesa para negociar o retorno dos barraqueiros junto ao gabinete do governador. Após muito debate elaborou-se um projeto para a nova feira de alimentos que dependia apenas do licenciamento da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). O projeto foi debatido em audiências públicas, apreciada pelo Ministério Público e por órgãos de licenciamento da PBH. Nas vésperas da Copa a PBH se comprometeu com o projeto e reuniões foram realizadas com a regional Pampulha.

 

Foi-se a Copa do Mundo. Deixou para poucos empresários estádios, aeroportos privatizados e contas bancárias bem gordas. Para muitas e muitos um grande legado de violações e sofrimento. Para os Barraqueiros do Mineirão mais uma vez a negativa da PBH, que se recusou a conferir as licenças necessárias e agora se recusa a dialogar com os Barraqueiros.

 

Em audiência pública para tratar do retorno dos Barraqueiros, no dia 1 de outubro, a PBH nem ao menos chegou a comparecer! Portanto vamos até a regional Pampulha cobrar uma solução definitiva para o retorno de todos os Barraqueiros do Mineirão! Não aceitaremos mais ser enganados pelo poder público, estamos lutando por nossos direitos!

 

Esperamos que a Prefeitura de Belo Horizonte mostre sensibilidade e honre a sua palavra convocando uma reunião extraordinária para acertar os detalhes e a data de retorno do comércio tradicional de alimentos dos Barraqueiros do Mineirão.

 

Volta Tropeirão!

 

Pelo respeito e reconhecimento do comércio popular tradicional!

 

Viva a luta de todos os trabalhadores/as informais desta cidade e deste país!

 

Assinam essa Nota:

 

ABAEM – Associação de Barraqueiros da Área Externa do Mineirão

COPAC – Comitê Popular dos Atingidos pela Copa

Brigadas Populares – Minas Gerais

 

Ernane, liderança da Associação de Barraqueiros do Mineirão, na prefeitura de BH, antes de entregar o abaixo assinado com 11 mil assinaturas ao Prefeito.

Ernane, liderança da Associação de Barraqueiros do Mineirão, na prefeitura de BH, antes de entregar o abaixo assinado com 11 mil assinaturas ao Prefeito.

Está tendo Copa, agora vai ter casa! Ocupações Urbanas realizam ocupação simultânea da porta da PBH, da URBEL e do prédio da AGE

Está tendo Copa, agora vai ter casa! Ocupações Urbanas realizam ocupação simultânea da porta da PBH, da URBEL e do prédio da AGE

2 de julho de 2014 às 10:01

As ocupações urbanas Dandara, Eliana Silva, Rosa Leão, Esperança, Vitória, Zilah Spósito, Cafezal, Nelson Mandela, Camilo Torres, Irmã Dorothy e Jardim Getsêmani (Belo Horizonte), Guarani Kaiowá (Contagem) e Tomás Balduíno (Ribeirão das Neves) realizam hoje, quarta-feira, dia 2 de julho de 2014, ato político ocupando, simultaneamente, a porta da PBH, a URBEL e o predio da Advocacia Geral do Estado. O objetivo central é exigir do PODER PÚBLICO MUNICIPAL e ESTADUAL o fim dos despejos forçados e o provimento imediato dos serviços urbanos essenciais, tais como saneamento básico e eletricidade em todas as comunidades!

 

A Prefeitura de Belo Horizonte e o Governo do Estado viabilizaram a Copa do Mundo em Belo Horizonte, por meio de grandes projetos de infra-estrutura urbana, que não contemplam as necessidades básicas da população mineira (direito à habitação, água, luz, esgotamento e outros). Esboçando um quadro rápido desta inversão de prioridades públicas, fomos testemunhas: mais de 20 milhões dos recursos municipais foram destinados à instalação da estrutura temporária do evento Fifa Fan Fest (http://goo.gl/chBFhY); a adoção de um modelo de mobilidade urbana que o povo experimenta sua ineficiência a cada dia (http://naomove.com.br/); o hospital municipal do barreiro que as obras estão interrompidas; a surpreendente reforma do mineirão que levou mais de 700 milhões de recursos estaduais e que culminou na sua concessão à iniciativa privada (http://goo.gl/jvzLs5), entre muitos outras obras e preparativos para a Copa que aprofundaram um modelo de cidade para poucos!

 

Enquanto isso, cerca de 80% dos assentamentos de baixa renda da RMBH não possuem condições apropriadas de saneamento básico (PLHIS, 2010); o déficit habitacional da grande Belo Horizonte gira entorno de 150 mil moradias (IPEA, 2010) e mais de 15 mil famílias vivem sob a insegurança da posse em ocupações urbanas, convivendo diariamente com o terror da ameaça de despejo pelas forças policiais e a ausência completa de políticas habitacionais e de infra-estrutura urbana da parte do Município e do Estado!

 

Além da inversão de prioridades dos gastos públicos para a Copa, combinada com a ausência de políticas urbanas de provisão de direitos básicos, a Copa do Mundo trouxe outro legado perverso para Minas Gerais: o fortalecimento, sem limites legais bem definidos, da ação repressiva da polícia militar sobre os movimentos sociais e comunidades vulneráveis. O Estado de Minas Gerais gastou milhares de reais no treinamento da forças de segurança pública, foram comprados outros tantos milhares de armas de baixa letalidade, como bombas de gás e efeito moral, balas de borracha, armas de choque elétrico (teaser), um tanque armado com canhão sônico (!) e mais dois novos e gigantes CAVEIRÕES! Todo esse aparato bélico está nas ruas durante este mês sob o testemunho de qualquer cidadão belohorizontino. A pergunta que fica é: passada a Copa, para que servirá esse aparato de guerra?

 

Muito nos preocupa a declaração recente da Advocacia Geral do Estado de que a Policia Militar de MG não tem por obrigação cumprir as recomendações legais do Ministério Público no que toca ao direito à manifestação no período da Copa. E quanto ao cumprimento dos parâmetros internacionais de direitos humanos para a realização de remoções forçadas, a postura é a mesma?

 

Por isso que os movimentos sociais e as ocupações urbanas vêm face a sociedade civil mineira, brasileira e internacional gritar: não podemos permitir que o legado de militarização e repressão recaia sobre famílias que vivem hoje em condições precárias de moradia e insegurança da posse! Não podemos admitir que o aparato de guerra adquirido para proteger a Copa da FIFA seja alocado a serviço da guerra contra os pobres que lutam por direitos fundamentais nas ocupações urbanas! Queremos o direito à cidade, moradia digna e que comunidades e ocupações possam ter infra-estrutura urbana adequada!

 

Nesse sentido, exige-se da Prefeitura de Belo Horizonte e do Governo do Estado, como condição para o fim da ocupação dos prédios das administrações públicas:

 

1) Reunião nesta tarde de quarta-feira, dia 1 de julho, com representações dos movimentos sociais envolvidos, lideranças das ocupações e representantes diretos do Prefeito de Belo Horizonte e do Governador do Estado de Minas Gerais, para encaminhar:

 

a) A garantia assinada pelo Prefeito de Belo Horizonte e o Governador do Estado de Minas Gerais de que não haverá remoção forçada após a COPA das ocupações. Que seja retomado o processo de negociação em busca de solução justa e pacífica que contemple o direito à moradia própria e digna de todas as famílias das ocupações! Despejo zero é o que exigimos!

 

b) A efetivação dos projetos de infraestrutura urbana básica (Luz, água, esgotamento sanitário e pavimentação) das ocupações urbanas socialmente reconhecidas como assentamentos consolidados e irreversíveis, notadamente, Ocupação Dandara, Eliana Silva, Camilo Torres,Irmã Dorothy e Zilah Sposito/Helena Greco!  

 

c) E compromisso com a transformação do território das Ocupações Rosa Leão, Esperança e vitória em ASEIS 2, de modo que as três ocupações (8 mil famílias pobres) que já estão em franco processo de consolidação se transformem em bairros , locais de moradia para famílias de zero a três salários.

 

d) Cumprimento do que foi acordado em reunião de negociação dia 21/03/2014, assinado em Ata de Reunião: “Será feito um RECADASTRAMENTO de todas as famílias das Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, no prazo de 20 dias (se necessário, haverá prorrogação do prazo). O Novo cadastro será feito em parceria pela PBH/URBEL, Prefeituras de Santa Luzia, Vespasiano e Ribeirão das Neves, Ministério Público, Defensoria Pública de MG, Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG, Movimentos Sociais e Coordenações das Ocupações. Isso para que saia um cadastro idôneo.” (Cf. Ata de Reunião.)

 

e) Encaminhamento de proposta defendida também pela Defensora Pública Geral da DPE/MG, em reunião do dia 21/03/2014: Suspensão imediata de todas as ordens de reintegração de posse das comunidades Guarani Kaiowa, Tomás Balduíno, Esperança, Rosa Leão, Vitória e William Rosa, enquanto se desenvolve o processo de Negociação.

 

f) Exigimos que a juíza Luzia Divina abra vista dos processos da Ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória ao Ministério Público e à Defensoria Pública, área de Direitos Humanos.

 

g) Do atual Presidente do TJMG exigimos encaminhamento de pedido formalizado em reunião com 3 juízes assessores da Presidência do TJMG, dia 24/04/2014: Instauração de um processo de Conciliação em 2° Instância, sob a coordenação do 3º Vice-presidente do TJMG, procurando a paz social e eliminando o risco de violência.

 

 

Belo Horizonte, dia 2 de julho de 2014

 

 

Assinam esta nota:

 

Movimento de Lutas nas Vilas, Bairros e Favelas (MLB)

Brigadas Populares

Comissão Pastoral da Terra

Comitê Popular dos Atingidos pela Copa

E coordenação das ocupações urbanas: Dandara, Eliana Silva, Rosa Leão, Esperança, Vitória, Zilah Spósito, Cafezal, Nelson Mandela, Camilo Torres, Irmã Dorothy e Jardim Getsêmani (Belo Horizonte), Guarani Kaiowá (Contagem) e Tomás Balduíno (Ribeirão das Neves)

 

Comunidade Dandara, 5 anos convivendo com a falta de saneamento básicoComunidade Dandara, 5 anos convivendo com a falta de saneamento básico

 

Após a Copa, esse aparato de guerra servirá a quê?Após a Copa, esse aparato de guerra servirá a quê?

Sobre a renúncia Fiscal para a Fifa.

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O nosso sistema tributário é conflexo e a renúncia fiscal abrangeu aos três níveis de governo. Faço um breve relato. 
Não dá para colocar aqui à abrangência das renúncias ou o planejamento tributário que poderia ser feito. No Município de Belo Horizonte, conforme consulta abaixo, até as obrigações acessórias (emissão de Nota Fiscal de Serviços, Declaração Eletrônica de Serviços, etc.) foram dispensadas. Então não tem como. Entregamos tudo até nosso poder de apuração ( administração tributária, etc. etc.) das renúncias fiscais.

Com relação aos tributos federais foi editada a Lei 12.350/2010, regulamentada pelos dos Decretos 7.319/2010 e 7.525/2011. Esta Lei prevê isenção de tributos incidentes nas importações de bens ou mercadorias para consumo exclusivo na organização e realização dos eventos (Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II), Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –Cofins), Taxa de utilização do Siscomex e do Mercante, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).. O prazo de vigência de 1º/1/2011 a 31 de dezembro de 2015, enquanto a renúncia do Recopa se estende de 21/12/2010, data de publicação da Lei 12.350/2010, até 30/6/2014.
No âmbito federal para apuração do valor total da renúncia, só para ter ideia da complexidade dou exemplo do Imposto de Renda – temos vários tipos de recolhimento, EPP, simples nacional apuração pelo Lucro e por aí vai. Por isso qualquer estimativa neste momento no meu ponto de vista é mera especulação. Estes benefícios sujeitam a prazos de fruição distintos. É lógico que a Receita Federal tem como fazer uma estimativa mais próxima da realidade, mas não vi nenhum pronunciamento oficial.
Com relação a renúncia fiscal dos municípios, onde ocorre o maior volume de receitas da FIFA, também não temos mecanismo seguro para apurar. Por que?

Cada município tem uma legislação própria e a alíquota incidente sobre cada serviço prestado pode variar de município para município (2 a 5%),
A isenção estende a prestadores de serviços para a FIFA, ou seja, uma gama de serviços. A lista seria enorme, exemplos: serviços de transporte, receptivo, tradutores, cessão de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, serviços importados do exterior, serviços advocatícios, buffet, shows, hospedagem, serviços de montagem de palco, instalações elétricas, comissão sobre venda de bilhetes, serviços de entrega de bilhete, serviços gráficos, serviços de agências de viagens, seguranças, serviços médicos, construção civil (todos os serviços) e outros mais sofisticados etc.etc. etc…
Serviços prestados pela FIFA – ai também tem uma gama de serviços – logomarca, direito de imagem, venda de ingressos, tributado pelo valor bruto em várias capitais já tinha isenção de ISSQN sobre este serviço. Em BH é tributado, veja a consulta feita por “2014 FIFA Word Cup Venda de Ingressos Ltda” A
a Secretaria de Finanças de Belo Horizonte – disponibilizado no site da PBH – abaixo.
Temos como apurar a renúncia fiscal de tributos federais através da Receita Federal, que poderia ser divulgado. No meu ponto de vista não fere o sigilo fiscal, porque seria divulgado o valor total da renúncia. Não podemos esquecer que a apuração vai se prolongar no tempo devido as muitas formas de cálculo do tributo. 

Consulta – 030/2014 
ISSQN – COPA DAS CONFEDERAÇÕES FIFA 2013 E COPA DO MUNDO FIFA 2014 – VENDA DE INGRESSOS E OUTRAS OPERAÇÕES RELACIONADAS COM TAIS EVENTOS EFETUADAS POR SUBSIDIÁRIA DA FIFA NO BRASIL – ISENÇÃO DO ISSQN – OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS – DISPENSA 
De conformidade com a Lei 9.721/2009, as operações de prestação de serviços relacionadas aos eventos acima referenciados estão isentas do ISSQN, sendo dispensado o cumprimento de obrigações acessórias vinculadas às atividades isentas, a teor do art. 11 da citada Lei. 

EXPOSIÇÃO E CONSULTA: 

A Consulente está habilitada na categoria de “Subsidiária da FIFA no Brasil” e, nesta condição, aos benefícios fiscais estabelecidos pela Lei Municipal nº 9.721, de 13/07/2009, referentes à realização da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014 (“COMPETIÇÕES) no Município de Belo Horizonte, conforme documentação específica juntada ao presente requerimento. 

A sua principal atividade consiste na venda de ingressos para as competições relacionadas aos referidos eventos, inclusive para as partidas a serem realizadas no Estádio Governador Magalhães Pinto (Mineirão), localizado nesta Capital. 
O art. 11, da Lei 9.721, determina que: 

“Art. 11 – Sempre que houver referência nesta Lei à isenção do ISSQN, ou dispensa de qualquer procedimento fiscal, qualquer obrigação acessória correspondente também fica dispensada, com exceção das seguintes: 

I – as previstas no inciso II do art. 9º desta Lei; 

II – as previstas no art. 15 desta Lei; e 

III – as referentes às pessoas jurídicas residentes no Brasil, de manter livros e registros nos termos da legislação comercial.” 

O dispositivo acima dispensa as entidades beneficiadas pela isenção do ISSQN do cumprimento de quaisquer obrigações acessórias, exceto aquelas especificamente mencionadas. 

Particularmente em relação ao seu caso, interpreta a Consulente que a exceção prevista no inc. I do art. 11 não é aplicável, uma vez que, por expressa determinação dos arts. 6º a 9º da Lei 9.721, as obrigações acessórias atingem unicamente ao LOC, às Confederações FIFA, às Associações Membro da FIFA, à Emissora Fonte e aos Prestadores de Serviços da FIFA. Como a Consultante é uma “Subsidiária da FIFA no Brasil”, categoria diversa das acima nomeadas, conclui-se que ela não se sujeita às obrigações acessórias concernentes ao ISSQN. 

Posto isso, requer confirmação quanto ao seu entendimento de que não está obrigada ao cumprimento de obrigações acessórias perante o Município de Belo Horizonte, exceto: 

a) as referentes às pessoas jurídicas residentes no Brasil, de manter livros e registros nos termos da legislação comercial (art. 11, III, Lei 9.721/2009); 
b) as previstas no art. 15 da Lei 9.721, que somente serão exigidas no caso de apresentação de pedido de reembolso do ISSQN (art. 11, II, Lei 9.721). 

RESPOSTA: 

Considerando a condição da Consulente de subsidiária integral no Brasil da “FIFA AG”; 

Considerando a isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN concedida à FIFA no tocante à prestação de serviços relacionados à Copa das Confederações FIFA 2013 e à Copa do Mundo FIFA 2014, por força do art. 3º da Lei 9.721/09; 

Considerando a dispensa, estabelecida no art. 11, da Lei 9.721, do cumprimento de qualquer obrigação acessória às pessoas beneficiárias da referida isenção, entre estas a Consulente, que, inclusive, não mantém estabelecimento neste Município, 

Conclui-se que a Consultante – “2014 FIFA Word Cup Venda de Ingressos Ltda.” – está dispensada do cumprimento de obrigações acessórias relativamente ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN em face dos eventos “Copa das Confederações FIFA 2013” e “Copa do Mundo FIFA 2014”, realizados no Município de Belo Horizonte. 

GELEC.

Por Eulália Alvarenga. 

Nota do COPAC sobre o 1° jogo da Copa em BH – 14J

Terrorismo de Estado, violência policial, prisões arbitrárias e silenciamento mediático. O que nos resta de democracia?

O que está acontecendo no Brasil não é natural e nem constitucional. No dia 14 de Junho, em Belo Horizonte, a manifestação contra as arbitrariedades de uma Copa que não é do povo, é da FIFA, foi cercada por 4000 policiais do choque, cães e a cavalaria. A PM de Minas não esteve nas ruas para proteger a população, mas para impor o medo, impedindo o direito de manifestação, de reunião e de circulação no território nacional.

 

Amparada por legislações de exceção, como a Lei Geral da Copa e o decreto federal de Garantia da Lei de da Ordem, a PM de Minas a mando do governo PSDB extrapolou todos os limites nas duas últimas manifestações, com detenções arbitrárias, torturas e um cerco ilegal que prendeu os manifestantes por 6 horas na praça 7 de setembro.

 

 

A grande mídia, que outrora apoiou regimes militares, silencia as nossas pautas políticas e distorce os fatos para justificar todas essas ilegalidades. Identificando os “manifestantes vândalos” como inimigos, ela impõe um falso medo na população que esconde quem é a verdadeira ameaça à nossa democracia e cidadania.

 

Vamos então expor adequadamente os fatos:

 

No dia 12 de Junho, abertura da Copa do Mundo, a PM despreparada atacou os manifestantes que se aproximavam no relógio da Copa instaurando uma situação de conflito esmagadoramente desigual. Diante da agressividade dessa polícia, que acontece todos os dias na periferia, pessoas se insurgiram contra vidraças. A polícia se limitou a proteger o relógio no momento do conflito e após o fim da manifestação realizou detenções e espancamentos arbitrários. Ninguém foi detido na manifestação. Relatos de espancamento como o de Jonathan são comoventes e deixam claro que vidraças quebradas não podem ser comparadas a corpos estilhaçados. Ver o depoimento em:http://goo.gl/20AxOi.

 

As detenções do dia 12 de Junho serviram para passar uma mensagem de terror à população. Pessoas foram presas voltando para suas casas por portarem panfletos e materiais de saúde. A rede de advogados informou também que todos os inquéritos policiais foram conduzidos de forma ideológica com perguntas absurdas, tais como: “Você já participou de manifestações?”, “Você curte manifestações no facebook?”. A prisão, tortura e humilhação machista da mídia-ativista Karinny foi claramente uma forma de dar o recado a todos os que querem protestar: ttp://goo.gl/MWKRmn.

 

No dia 14 de Junho, a polícia tentou provar a sua eficiência e, para isso, violou direitos políticos constitucionais. Para entrar no território da manifestação as pessoas tiveram que ser revistadas 3 vezes e, em todas elas, eram ameaçadas pelos PMs. As 15 detenções realizadas nesse dia foram absolutamente infundadas. Pessoas que transitavam nas ruas, algumas das quais não tinham nada a ver com as manifestações, foram presas com facas de cozinha, máscaras do V de vingança, vinagres, ferramentas de skate e material para o exercício artístico de malabares.

 

A ação policial do dia 14 foi um atentado contra a nossa recente democracia. O cerco policial é uma estratégia elaborada por regimes fascistas e não foi desfeito em nenhum momento do protesto. Fomos ameaçados por várias vezes de prisão e espancamento coletivo na praça sete sem nenhum motivo.

 

 

No meio de uma parede policial repressora, de um estado de exceção antidemocrático, de uma institucionalidade violadora de todos os direitos, conseguimos afirmar a democracia real e popular por meio da resistência e da organização coletiva. Uma assembleia foi organizada dentro do cerco para debater os rumos da manifestação, que conseguiu encontrar uma saída para aquela situação dentro do que foi possível e não do que nos era de direito.

 

Por meio de uma negociação desigual entre os manifestantes, o Ministério Público, o governo do Estado de Minas Gerais e a Polícia Militar, foi tomada a decisão de se desfazer o cerco policial para que a manifestação seguisse para a praça da estação. O governo de Minas e a PM não cumpriram a sua palavra e continuaram o cerco durante todo o trajeto refazendo-ona praça da estação, em uma ação ainda mais humilhante.

 

Naquele dia a fragilidade de nossos corpos contrastou com a fortaleza das nossas convicções e da nossa capacidade de resistência. Em uma cidade colonizada pela FIFA e pelos grandes interesses econômicos nacionais e internacionais, que sequestram a nossa democracia, afirmamos o poder popular nas ruas. A praça sete, símbolo da resistência na nossa cidade, esteve ocupada durante o primeiro dia de jogo no Mineirão.

 

Por: Isabella Gonçalves Miranda

Nota do Copac-BH sobre a abertura da Copa em Belo Horizonte.

Nota do Copac-BH sobre a abertura da Copa em Belo Horizonte.

Não adianta só torcer, é preciso lutar e LUTAR NÃO É CRIME!
A violência da polícia militar e mais gol contra do Brasil marcaram a abertura da Copa do Mundo. Mesmo com um enorme efetivo policial nas ruas e muito terrorismo midiático entendemos que só a luta transforma. Em Belo Horizonte, cerca de 3000 pessoas marcharam por direitos e contra a Copa da FIFA e das grandes multinacionais.

Reivindicando as ruas como espaço político que não deve ser usurpado por qualquer estado de exceção, celebramos a nossa copa na rua, com agitação, tambores e futebol de rua (Copelada). Durante todo o ato fomos cercados por policiais militares, munidos com um forte arsenal repressivo, que nos intimidavam de todas as formas possíveis: com revistas, agressões e ameaças. A violência policial se intensificou quando nos aproximamos do relógio da Copa do Mundo. Esse símbolo da opressão diária sentida pela população estava protegido por centenas de militares do choque de armas em punho. Quando chegamos mais perto fomos duramente reprimidos com bombas de efeito moral e balas de borracha a uma curtíssima distância.
Diante da violência institucional e orquestrada do Estado, algumas pessoas quebraram algumas vidraças e viraram uma viatura enquanto gritavam pelo fim da polícia militar. Os policiais se limitaram a proteger o relógio e agredir manifestantes, não garantindo a segurança da manifestação. Essa polícia, que é repressiva e anti-democráticanas ruas, nas periferias mata centenas de pessoas todos os anos e já teve a sua extinção demandada pelas nações unidas.

Ontem a polícia agiu com violência desmedida, encurralando e espancando os manifestantes e levando pessoas que saíam do protesto detidas. Temos notícias até agora de 13 prisões, entre as quais uma companheira mídia-ativista Ninja. Entre os casos mais arbitrários estão a agressão despropositada a uma pessoa em situação de rua e o caso de um estudante (foto abaixo), que estava voltando do protesto para a casa sozinho que foi brutalmente agredido. O rapaz levou um tiro de bala de borracha à queima roupa e caiu no chão, foi quando 5 policias o agrediram com pontapés por todo o corpo e spray de pimenta diretamente nos olhos e depois o deixaram ali caído.

Notamos ainda um grande número de policiais infiltrados no protesto filmando o rosto das pessoas e incitando os manifestantes. O vídeo amador de pessoas virando o carro da polícia e que depois foi disponibilizado pela mídia, foi feito por uma pessoa que estava participando da ação e que se preocupou em registrar os envolvidos.

Repressões semelhantes ocorreram em várias outras capitais do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,Fortaleza, Brasília e Belo Horizonte. Na abertura dessa Copa que é da FIFA e não do povo, a Polícia Militar mostra ao mundo a sua face violenta.

Os grandes meios de comunicação, a imprensa golpista, buscam a todo custo deslegitimar as nossas manifestações. O terrorismo mediático constrói uma narrativa que justifica e naturaliza a violência policial ao mesmo tempo em que oculta as nossas críticas e desejos de transformação, desta forma, seqüestram as nossas vozes e indignação. O nosso maior problema não é apenas com os gastos públicos em uma Copa privada, da FIFA, mas a forma como a Copa foi conduzida, violando direitos dapopulação há quatro anos e instaurando no país um estado de exceção.

Somos todos contra a violência e para nós essa Copa é violenta, até hoje tem gente sem casa, sem trabalho e presa por lutar. Criminosa é a polícia militar, que só no Estado de São Paulo matou 2.045 pessoas em quatro anos. A PM mata mais do que muitos exércitos e é racialmente seletiva, 70% dos assassinatos no país são de pessoas negras.

Nós queremos a paz, mas não existe paz sem voz, por isso reafirmamos a necessidade de ocuparmos as ruas durante a Copa e convocamos todos e todas para estarem juntos conosco porque para transformar o país não adianta torcer, é preciso lutar!

No dia 14, primeiro jogo da copa em BH, manifestaremos contra a violência policial e a criminalização dos movimentos sociais e do protesto:
https://www.facebook.com/events/335167233303966/?ref=ts&fref=ts

 

Vai ter Copa! Mas, e o que vai acontecer durante e depois do torneio?

Rudá Ricci conversa com Amanda Couto e Lorena Dias, integrantes do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (COPAC).

CORDEL: VAMOS PARA A RUA A MIL (POIS PREJUDICA UM BRASIL A COPA DO CAPITAL).

Autora: Salete Maria
Salvador-Ba
Junho/2014
Vamos para a rua a mil

Quem mora neste país
Sabe que ele é dividido
Entre quem vive feliz
E quem vive espremido
Por isso é que um Mundial
Que agrada ao capital
A tantos causa gemido

Há um Brasil que é só festa
Outro que é necessidade
Um que tem gente honesta
E outro que é só vaidade
Há um Brasil contemplado
E outro prejudicado
Esta é a realidade

Eu sou uma brasileira
Que ama muito o Brasil
Mas penso que é asneira
Ficar sem dar nem um pio
Sobre as iniquidades
E as muitas perversidades
Que a dona FIFA pariu

Nada tenho contra a Copa
E gosto de futebol
Mas já morei em maloca
E sei onde nasce o sol
Vejo a desigualdade
No campo e na cidade
Clara feito um arrebol

O que muito me incomoda
É o estado de exceção
Que está virando moda
Dentro da nossa nação
Que virou país-empresa
Que destrói a natureza
E a vida do cidadão

Sei que a FIFA tá mandando
Porque o governo permite
Mas as ruas tão gritando
Porque a gente resiste
Quem aprendeu a lutar
Não se deixa fascinar
Pelo jogo das elites

E eu que sou feminista
Das que não faz concessões
Ao lucro capitalista
E às regras dos patrões
Sei que esse megaevento
Para mim não tem assento
Dentro ou fora dos portões

Me somo a quem não se cala
Diante das exclusões
Uso sempre a minha fala
Contra os velhos tubarões
Que roubam o nosso povo
E fazem discurso novo
Em tempos de eleições

E aqui eu me refiro
A políticos diversos
Que vivem nos dando giro
Enquanto estão imersos
Nos interesses da FIFA
Que nosso direito rifa
Com discurso controverso

Entendo que o Mundial
Que o país vai sediar
Já deu mais do que sinal
Do rombo que vai deixar
Pra aquela população
Que para ganhar o pão
Rala até não aguentar

Afinal todas as obras
Que a gente tá custeando
Estão cheias de manobras
E ninguém tá explicando
Por que tanta imposição
Contra a Constituição
E contra quem tá lutando

Muito dinheiro investido
Pra garantir repressão
O povo virou bandido
De crime de opinião
E governos de toda cor
Legitimam o terror
Em ano de eleição

Quem anda pela cidade
E sabe o que é o povo
Conhece as necessidades
Dessa vida arroz com ovo
Onde falta moradia
Água, gás e energia
Saúde e transporte novo

Quem faz parte do Brasil
Que pega filas gigantes
Sabe que está barril
E o quanto é revoltante
Ver famílias despejadas
E suas casas derrubadas
Por ordem dos arrogantes

E a falta de transparência
Sobre muitas decisões?
Além das incoerências
Sobre as (i)licitações
E o que foi prometido
Pugnado e defendido
Vai ter inaugurações?

Mobilidade urbana
Ninguém sabe, ninguém vê
E ninguém mais se engana
Com o que vão nos dizer
Se é com nosso dinheiro
Então todo brasileiro
Pode sim se intrometer

Para cada viaduto
Arena e aeroporto
Uma família de luto
E um operário morto
Um direito violado
Um choro desesperado
E um olhar absorto

Os abusos são gritantes
Contra grupos vulneráveis
Prisão de manifestantes
Remoções inaceitáveis
Mulheres prejudicadas
Ofendidas, degradadas
Feito produtos vendáveis

A FIFA manda em tudo
Com aval dos governantes
Extrai um lucro graúdo
Mas explora estudantes
Que trabalham sem ganhar
Para a FIFA não pagar
Imposto ou lucro cessante

A FIFA fez exigências
Ferindo a soberania
Usurpou as competências
Próprias da democracia
Impôs a sua vontade
Quebrou a legalidade
E contou com a covardia

Fez do Brasil um otário
Que pagou pra se ferrar
Matou alguns operários
E não vai indenizar
Os pobres dos dependentes
Que não verão nem os dentes
Dos caras que vão jogar

A FIFA e seu patrocínio
Não se importam com você
Que exerce o raciocínio
E tem algo pra dizer
Contra as violações
Preconceito e exclusões
Que ela sabe promover

A FIFA não se interessa
Por quem foi desalojado
Pois ela tem muita pressa
Para levar seu bocado
E deixar o sofrimento
A exclusão e o tormento
Como seu maior legado

A FIFA só tem apreço
Por quem compra seu ingresso
Ela sabe o endereço
Dos ricos lá do Congresso
Vai jantar com a presidenta
Que também não tá isenta
Desse grande retrocesso

A FIFA é o capital
Que não respeita humano
É a dona da Lei Geral
E desse jogo insano
Que envolve todo o poder
Que autoriza prender
Quem atrapalhar seus planos

A FIFA tá nem aí
Pra exploração sexual
Ela mandando aqui
Pode é haver bacanal
Racismo e exclusão
Sofrimento e opressão
Nada disso lhe faz mal

A faxina das cidades
Tirando o povo da rua
Toda essa iniquidade
Com minha vida e a sua
Conta com a conivência
Da corja de excelências
Que manda sentar a pua

É por isso que eu digo
Através desse canal
Mesmo correndo perigo
De me descerem o pau
Vamos pra rua a mil
Pois prejudica um Brasil
A copa do Capital


O que está por detrás de nosso grito de GOL? Lições do país do futebol ao jogador espanhol Iniesta

André Iniesta, jogador de futebol pela equipe da Espanha que marcou o gol da vitória na Copa da África do Sul, declarou ontem (29 de maio) não entender os protestos no Brasil diante da Copa, pois segundo ele “o povo deveria celebrar”[i].

Por: SammerSiman, Brigadas Populares, Mestrando em Políticas Sociais (UFES) e

Isabella Gonçalves Miranda, Doutoranda em pós colonialismos e cidadania global e integrante do COPAC.

Iniestra chupando dedo

Entendemos sua limitação, Iniesta, e por isso buscaremos expor um pouco do que nos leva a protestar. Afinal, você nasceu no continente que se coloca como o centro do mundo, mais precisamente na Espanha, que foi um dos países que colonizou a América e que, portanto, sempre nos enxergou num lugar subalterno.

Além do que, Iniesta, com seu brilhante futebol que, indiscutivelmente, se desenvolveu com muito esforço e dedicação, você alcançou um padrão de vida que se distancia em muito dos demais trabalhadores e trabalhadoras de seu país que, diga-se de passagem, sabemos que se encontram em grave situação de desemprego – uma pessoa a cada quatro[ii].

Ou seja, sua limitação é duplicada, e por isso seremos tão pacientes.

Um primeiro ponto, caro Iniesta, é justamente entender que somos marcados pela Colonização. Antes de Colombo chegar, já viviam aqui povos (denominados então por índios) que foram, desde o primeiro contato, expulsos de seus territórios e subjugados em todas as dimensões da sua vida, política, cultural, social e econômica.

Depois, Iniesta, na ampliação do “empreendimento colonizador” os “nossos” europeus lançaram-se no tráfego de escravos, fazendo do negro e da negra uma mercadoria que serviu para encher o nosso território de cana de açúcar.

E sabe pra que serviu o tráfico negreiro, Iniesta? Dentre outras coisas, serviu para formar capital e originaros bancos, o que permitiu iniciar o desenvolvimento da indústria no “centro do mundo”, justamente no lugar em que você nasceu. O açúcar, tirado daqui, serviu também para gerar energia suficiente para seus antepassados trabalharem no inverno, o que não é qualquer coisa no “alto” do mundo, o que fez com que por aí a vida seja mais digna do que por aqui.

No entanto, tu deve imaginar quanto sofrimento levou tudo isso. Toda uma riqueza gerada por povos expropriados de sua terra e de seu modo de vida, somado por um povo extraído de sua terra e dilapidado em seu modo de vida. Assim, Iniesta, desde muito cedo começamos a protestar. Mais do que protestar, aliás, era uma tentativa de nos libertar. E isso se deu quando, por exemplo, formamos Quilombos de escravos como alternativa de construir uma vida digna, numa terra própria.

E, desde muito cedo, Iniesta, que, mais do que “não entender” os protestos, a elite colonial reprimiu esses protestos e toda forma de resistência, assim como faz a elite de hoje, quando nos colocamos a protestar buscando a libertação.

Passado três séculos, Iniesta, uma esperança surgiu. Já era meados do século XIX quando, no Brasil, a escravidão apontava para seu fim, seja pela resistência negra, seja pela tensão modernizadora. Quando se “decretou” formalmente o fim da escravidão, já em 1888, os povos explorados buscaram rumo próprio nos campos e nas cidades que então começavam a se avolumar.

Naquele momento, Iniesta, poderíamos ter iniciado o começo de um voo próprio. Assim queriam os povos explorados. No entanto, Iniesta, naquele momento sofremos mais um duro golpe. As elites brancas aprovaram uma lei que impossibilitava o nosso acesso à terra e ao território. Desde então ocupamos e resistimos para viver, mas frequentemente a lei e a força dos poderosos nos expulsa de nossas casas, de nossas plantações. Como agora Iniestra, expulsaram 250.000 pessoas de suas casas para você poder marcar o gol..

Passado o tempo, tivemos em nosso país um impulso de modernização industrial e a construção de um Estado moderno, um Estado burguês. Com muita luta, começamos a nos inserir na dinâmica da cidade e parte de nós seguimos em busca do sonho que nunca cessou – o de acessar a terra, o de ter um lugar para morar, para produzir.

Passaram os anos de 1930, 40, 50…e fomos nos organizando mais, ficamos mais cientes dos nossos direitos. Assim, Iniesta, no início da década de 60 traduzimos nossos anseios: As reformas de base.

Queríamos uma reforma agrária, urbana, tributária, universitária e tantas quanto fossem necessárias paranos permitir o tão sonhado voo próprio. Como resposta, tivemos um golpe de Estado que adiou mais uma vez esse sonho. Vivemos, então, 21 um anos de cárcere e restrição, mas não sem abandonar os protestos, a busca pela liberdade.

Saímos desse regime, com luta retomamos e ampliamos direitos, refundamos o país, mas ainda seguimos sem resolver nossos grandes problemas, Iniesta. Dessa luta, surgiram líderes, escolhemos um tal sociólogo que prometeu estabilidade (eram tempos de inflação) e como “retorno” vendeu nosso país.Tempos depois escolhemos um outro: O Lula, homem do povo, com trajetória do povo, cara de Brasil.

Nele depositamos novamente um sonho. Das reformas de base por tantas vezes defendida em sua trajetória. E o que deu,Iniesta?

Em nada, ou, pra sermos mais justos, em quase nada. Avançou-se muito pouco, mas o essencial continuou – e continua: Segue o predomínio do latifúndio, das multinacionais e tudo o mais que segue super-explorando o nosso povo. Afinal, Iniesta, o salário aqui é 4 vezes menos o que precisaria ser para termos o MÍNIMO!! Neste sentido, ele é o mínimo, do mínimo, do mínimo, do mínimo.

Nos campos, Iniesta, a pequena propriedade, aquela que produz 70% dos alimentos dos brasileiros, está cada dia mais encurralada pelo agronegócio, pelas atividades mineradoras e outros mega-projetos.

Nas cidades, Iniesta, a vida está um caos! Fomos aos milhões para as ruas em 2013 e nada de importante mudou,Iniesta! Os metrôs e ônibus seguem lotados, saúde e educação de qualidade ruim, além de sermos afastados a cada dia mais para as periferias ou, quando nos rebelamos contra a “ordem”, enjaulados em sórdidas prisões!

Nas periferias, Iniesta, o povo está massacrado, as juventudes, em especial a negra – os tataranetos dos escravos de outrora – está sendo assassinada em massa, Iniesta! E sobre o argumento de combate o tráfico de drogas, Iniesta, quando bem sabemos que os verdadeiros traficantes estão engravatados e andando de helicóptero!

Assim, Iniesta, a Copa, ao invés de ajudar, só ampliou a barbárie! Por aqui, nada menos que 250 mil famílias foram removidas para uma Copa que não nos diz respeito, Iniesta! Uma Copa que tem o grande objetivo de engrossar a conta bancária da FIFA e seus patrocinadores, e nesse ponto tu deve saber bem, do quanto rola de dinheiro num evento como esse, não é!?

Aliás, vale dizer, Iniesta, você acertou em uma coisa. Somos o país do futebol. Só que a grande parte de todo o país, aquela que assistirá aos jogos, o verá da mesma maneira que já viam em outros momentos: Pela TV! Isso porque, para ver o Brasil num jogo, um trabalhador deveria trabalhar 1, 2 ou 3 meses sem respirar e sem se alimentar para pagar um ingresso!

Enfim, o que esperamos, daqui por diante, Iniesta, é que tenha cuidado com as palavras, pois não é justo que use seu talento para ofuscar a dor de nosso povo que guarda, por detrás do grito de gol, o sonho por um outro país. Pois, mais do que protestar, com a carga de 514 anos, estamos mesmo é lutando por nos libertar!

Brasil, 30 de maio de 2014

 

[i]                       http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/29/iniesta-diz-nao-entender-protestos-no-brasil-o-povo-deveria-celebrar.htm

 

[ii]                      http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2014/04/29/interna_internacional,523545/taxa-de-desemprego-volta-a-subir-na-espanha-a-25-93.shtml

 

#Copa pra Quem? – Matéria da Revista Radis (da Fundação Oswaldo Cruz)

Essa matéria foi feita à partir de entrevistas com membros dos comitês de várias cidades.

#Copa pra quem?

Data de publicação: 

 01/05/2014

Comitês Populares apontam violação de direitos e prejuízos na qualidade de vida das cidades-sede da competição
Maracanã 2 X 0 Comunidade Metrô-Mangueira. Estádio Beira Rio 1 X 0 Comunidade Vila Dique. Fonte Nova 3 x 0 Loteamento São Francisco. O placar poderia continuar semelhante pelos outros nove estádios brasileiros — que agora se chamam arenas — contra a população das cidades que receberão jogos da Copa do Mundo da Fifa 2014. Quando soar o apito de Brasil e Croácia, às 17h do dia 12/6, no Itaquerão (SP), terá início um campeonato que começou seis anos antes, durante o anúncio do Brasil como país-sede do mundial. Na ocasião, o discurso de que a Copa traria investimentos que melhorariam a qualidade de vida repercutiu como um grito de gol. Mas os Comitês Populares da Copa, que vêm acompanhando os impactos do megaevento no país, alertam para um resultado diferente.  
 
 
Some-se à Copa do Mundo outro megaevento com data marcada para acontecer no Brasil na área do esporte: em 2016, os Jogos Olímpicos serão realizados no Rio de Janeiro, o que tem causado grande impacto na vida da capital fluminense (ver matéria na pág. 15). “Para além do clima de tudo é festa, é preciso ver que a realização desses megaeventos aprofundam e aceleram o modelo excludente e concentrador que encarna a potência econômica do Brasil”, considera Lorena Dias, integrante do Comitê Popular de Belo Horizonte. 
 
Em sua cidade, R$ 1 bilhão estão sendo destinados somente às reformas do estádio do Mineirão e do aeroporto de Confins — pagos com financiamento federal pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e verbas do Programa Nacional de Crescimento (PAC2). A primeira crítica feita pelos Comitês Populares é que todos os 12 estádios estão sendo reformados ou construídos com verba pública, num orçamento total divulgado pelo próprio Governo Federal de R$ 8 bilhões, mas passarão para a iniciativa privada logo depois do Mundial. “Em todo o país, os estádios eram estaduais, agora são arenas particulares que cobram preços abusivos, expulsam os trabalhadores tradicionais e elitizam a torcida excluindo os ingressos com preços populares”, acrescenta Lorena.
 
No Rio de Janeiro, por exemplo, as seguidas reformas do Maracanã custaram aos cofres públicos R$ 1,5 bilhão de reais. Mas, de acordo com cálculos do Comitê Popular do Rio, com a privatização, o governo só vai receber de volta R$ 185 milhões. Ou seja, menos de 20% de todo o valor gasto. Em São Paulo, segundo o comitê popular local, a maior parte dos gastos públicos se deu na isenção fiscal ao estádio do Itaquerão (R$ 420 milhões), em obras viárias voltadas para o transporte individual (mais de R$ 400 milhões) e na higienização da paisagem urbana, outra crítica severa e recorrente feita pelos Comitês. “Esses recursos não atendem os interesses da população e beneficiam apenas as grandes corporações da construção civil e o setor imobiliário”, critica a pesquisadora Juliana Machado, membro do  Comitê Popular da Copa de São Paulo.
 
Dossiê
 
De um lado do campo, o governo anuncia em seu Portal de Transparência que os investimentos nas cidades-sede da Copa totalizam R$ 25,6 bilhões, que “a Copa não retirou verbas do orçamento de áreas como a saúde, educação, transportes e segurança pública” e que segue um plano de investimentos que previa, num primeiro ciclo, mobilidade urbana, aeroportos e financiamento para a modernização de estádios. E ainda, segurança, telecomunicações e turismo, em outros dois momentos, além do que chama de “políticas públicas potencializadas pela Copa”. Como justificativa, aponta que essa é uma oportunidade para incrementar a infraestrutura, antecipando obras e intervenções que seriam necessárias mesmo sem a realização do evento. 
 
Jogando em outro time, a Articulação Nacional dos Comitês Populares (Ancop) — que, desde 2010, reúne organizações, movimentos, coletivos, pesquisadores e ativistas — diz que as ações já postas em prática sinalizam um legado, na verdade, perverso, que aprofunda as desigualdades urbanas no país, destrói comunidades e bairros populares e segrega grupos mais vulneráveis nos espaços urbanos. “O crescimento econômico segue concentrado nas mãos de uns poucos, ao mesmo tempo que os investimentos prometidos trazem problemas ainda mais graves”, diz Juliana, que também integra a Ancop. O Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, um calhamaço de mais de cem páginas elaborado pela Ancop, que terá, ainda, uma terceira edição atualizada, faz uma crítica ao desperdício de recursos públicos que, para a Ancop, deveriam estar sendo destinados a atender às necessidades da população brasileira — com “déficit habitacional de 5,5 milhões de moradias e 15 milhões de domicílios urbanos destituídos das condições mínimas de habitabilidade (saneamento, infraestrutura urbana etc), para não falar da precariedade de nossos sistemas de saúde e educação pública”, aponta o Dossiê.
Apesar de o site do governo brasileiro sobre a Copa do Mundo 2014 afirmar que “nenhuma pessoa ficou desabrigada para a construção de estádios ou para as intervenções de mobilidade urbana”, a Ancop aponta 250 mil pessoas cujo direito à moradia está sendo violado ou ameaçado. O balanço da capital paulista indica que houve remoção forçada de comunidades inteiras, especulação imobiliária (97% de valorização) e expulsão da população para as margens mais distantes da cidade. “Isso em razão do valor dos aluguéis a patamares impagáveis pela população mais pobre”, diz Juliana.
 
Às vésperas da Copa, quando foi realizada a entrevista com Juliana, as obras estavam em fase final de execução e a probabilidade é que ficassem prontas a tempo de atender às exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa). “Enquanto isso, os investimentos em serviços e equipamentos públicos não foram feitos”, alerta a integrante do Comitê Popular de São Paulo. “Em Itaquera, distrito da zona leste de São Paulo onde fica o estádio do jogo inaugural da Copa, ainda faltam hospitais, unidades de saúde, escolas, creches, saneamento”. Juliana acrescenta que são mais de 20 assentamentos e milhares de famílias afetadas na zona Sul e na zona Norte da capital paulista.
 
Mobilidade urbana x remoções
 
A situação se repete em todas as cidades-sede — além de Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal, Manaus, Cuiabá, Curitiba e Brasília. E, a julgar pelo levantamento da Ancop, a violação do direito à moradia adequada é a mais grave consequência da realização da Copa no Brasil. Em Belo Horizonte, informou Lorena, a comunidade Recanto da UFMG, com cerca de 60 famílias, localizada a menos de 500 metros do Mineirão, foi removida para a construção de um viaduto. Em Fortaleza, os cálculos do Comitê Popular local dão conta de mais de 15 mil remoções em função das obras. Apenas para abrir passagem ao VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), obra que integra o pacote de mobilidade urbana na cidade, 23 comunidades foram afetadas. Quatro delas (Trilha do Senhor, Lauro Viera Chaves, Comunidade das Flores e São Vicente de Paula) resistem em deixar suas moradias, às margens da Via Expressa, região valorizada ou com tendência de valorização na capital cearense. 
 
“O impacto das obras da Copa no aumento da desigualdade e da segregação é alarmante”, avalia o economista André Lima, integrante do Comitê Popular de Fortaleza. Nesse caso, ele explica que o governo estadual, responsável pelas desapropriações, não oferece indenização à altura dos imóveis e, como alternativa, propõe a transferência de cerca de 3 mil famílias para um conjunto habitacional localizado em bairro afastado, onde outras mais de mil famílias vivem numa ocupação há três anos. “Ou seja, a ideia é melhorar o sistema de equipamentos da zona mais rica da cidade, enquanto remove milhares de pessoas de baixa renda para locais desvalorizados”, acrescenta.
 
Em vídeo produzido por uma produtora belga sobre os impactos da Copa em Fortaleza, Allysson Silveira, que tem boa parte da família morando na Comunidade do Trilho, conduz o espectador pelas histórias da comunidade. Para ele, o grande problema do VLT é que “esta comunidade, onde as pessoas conversavam, se encontravam, namoravam, agora está ameaçada de não mais existir por conta de uma obra financiada pela Copa do Mundo”. Segundo o Comitê, antes mesmo da conclusão do processo legal para a transferência das famílias, as casas dos moradores eram marcadas a tinta sinalizando quem seria removido. “Mas a vida em comunidade é forte. Da mesma forma que todos se ajudam, todos sofrem juntos, de uma forma ou de outra, os impactos da remoção. As pessoas aqui são acostumadas a enfrentar problemas. Até problemas como esse”, diz Allysson.
Em Salvador, de acordo com o Comitê Popular da cidade, nenhuma das obras que trariam impactos positivos foi realizada. “Pelo contrário, o que aconteceu foi a intensificação de uma limpeza étnica racial nos bairros e no centro da cidade”, diz Argemiro Almeida, membro do Comitê Popular da Copa de Salvador e da Ancop. O orçamento previsto para obras de infraestrutura na cidade era de R$ 2,4 bilhões. Mas, segundo acompanhamento do comitê, foram gastos pelo governo do estado e prefeitura apenas R$ 600 mil, o que fez com que cinco obras saíssem da matriz de responsabilidades da cidade, entre elas a construção de um Hospital, previsto originalmente, e de projetos de mobilidade no entorno da Arena Fonte Nova que dariam acesso ao Centro e a bairros mais afastados. “Em vez disso, o que foi feito foi uma via expressa que liga praticamente o Porto à BR e uma linha de metrô de 3 quilômetros que ainda está em fase de testes e, por enquanto, vai funcionar apenas durante a Copa”, diz. 
 
No campo dos transportes, a preparação para a Copa do Mundo tem servido para justificar gastos públicos destinados à melhoria da chamada mobilidade urbana nas cidades-sede do evento. No total, são 45 obras que, segundo o site oficial da Copa, priorizam o transporte coletivo e incluem corredores e vias para ônibus; estações, terminais e Centrais de Controle de Tráfego; BRTs (Bus Rapid Transit) e VLTs, totalizando mais de R$ 8 bilhões de investimento. Entretanto, para os Comitês Populares, essas obras somadas ainda ao alargamento de vias e construção de viadutos, apenas reproduzem o modelo veicular privado, individual e motorizado, quando deveriam priorizar o transporte público acessível, coletivo e de qualidade.
 
“A subserviência ao poder econômico da indústria automobilística determina a continuidade de um padrão insustentável de mobilidade para o país”, reflete Lorena, de Belo Horizonte, onde a ampliação do metrô, planejado e não concluído desde a década de 70, foi mais uma vez adiada. “Sem dúvida alguma, a Copa do Mundo poderia ser uma boa oportunidade para buscar alternativas inteligentes e não poluentes para o trânsito, como as ciclovias, por exemplo. Mas o que predomina é o totalitarismo dos carros sobre as pessoas que, quando moram em comunidades pobres, ainda são removidas para dar passagem a novas malhas viárias”, observa.
 
Resistência
 
Pernambuco é o único estado-sede em que os jogos não se darão na capital, Recife, mas na cidade de São Lourenço da Mata, onde está prevista a construção da primeira Smart City da América Latina — segundo o Comitê Popular, uma cidade inteira construída a partir de uma parceria público-privada. “Uma cidade com previsão de circulação de 100 mil pessoas num local que tem hoje 108 mil habitantes. Ou seja, a cidade já existente viverá à margem da nova cidade, que concentrará os investimentos”, diz Rud Rafael, assistente social da ONG Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) e integrante do Comitê Popular da Copa de Recife, acrescentando que, no geral, serão mais de 2 mil desapropriações. Obras como a Via Mangue, que ligará os bairros do Pina e de Boa Viagem, deixaram 1.536 famílias desapropriadas.
 
Rud informa que o Loteamento São Francisco, no município de Camaragibe, vem sofrendo um dos casos mais graves de violação. “A comunidade de aproximadamente 200 famílias foi “riscada do mapa”, ele diz, “com indenizações injustas e sem diálogo ou proposição de alternativas”. Lá, grande parte das famílias foi despejada sem ter recebido o valor das indenizações e sem nenhum apoio psicossocial. “Isso gerou um nível de vulnerabilidade extremo, muitos adoecimentos e sete mortes em decorrência desse cenário”, acrescenta.
Mas há resistência. A comunidade do Coque, no Recife, é símbolo de teimosia contra o capital imobiliário (Radis 129), como explica o integrante do Comitê Popular. “Ali, foram desapropriadas 181 famílias para a ampliação do Terminal Integrado de Joana Bezerra. Entretanto, outras 58 famílias seriam removidas, mas surgiu uma intensa mobilização, que deu origem a uma rede, o Coque (R)existe”, conta. “A partir dela, evitaram-se as remoções mostrando que era possível um projeto alternativo que alterava o traçado viário e mantinha as famílias em suas moradias”.
 
Em Porto Alegre, a população da Vila Cruzeiro, uma das afetadas pelo projeto de duplicação da Avenida Tronco, organizou a campanha Chave por chave, conseguindo barrar o processo de remoção. Cerca de 70% das famílias permanecem no local. Segundo o Comitê Popular, o projeto foi excluído da matriz de responsabilidades. “Foi uma vitória, mas isso gerou outro problema: como as obras haviam sido iniciadas, ficou um furo na cidade, como uma ferida, um cenário de guerra, de escombros, esgoto a céu aberto e mais violência”, diz Cláudia Fávaro, arquiteta e urbanista, integrante do Comitê Popular, citando ainda a desastrosa remoção de quase 400 famílias da Vila Dique, atingida pelo alargamento da pista do aeroporto Salgado Filho. “Essas famílias foram levadas para uma zona de tráfico, desassistida do poder público, a cerca de 50 quilômetros de onde residiam. Passaram a habitar construções precárias, sem acesso a posto de saúde, creche ou escola, já que os equipamentos permaneceram na antiga vila”, informa. Depois do laudo geológico, segundo o Comitê Popular, ficou concluído que a área era inadequada para a construção da pista. 
Para Rud, de Recife, a Copa não deixa legado de políticas públicas e sim, de sérias violações de direitos humanos e negação de direitos básicos, o que tem gerado, inclusive, grave impacto na saúde pública, com grande número de pessoas desenvolvendo doenças crônicas como hipertensão, além de casos de depressão. “Isso é lamentável, porque poderiam ter sido pensadas alternativas a esse cenário, como a construção de planos urbanísticos participativos, projetos habitacionais e assistência psicossocial, por exemplo”, protesta. “Não à toa, após uma visita a Recife, a relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, disse que as obras da Copa produzem sem-teto”.
 
[Segue nos links abaixo]
Autor: 

 Ana Cláudia Peres

FAQ sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos

 FAQ sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos

Crédito: SOS Direito à Moradia

 

“Por que protestar contra os preparativos da Copa e das Olimpíadas? Os problemas não são os mesmos que já existiam antes dos eventos serem anunciados?”. Diante de algumas perguntas frequentemente feitas (FAQ) sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos, Erick Omena elaborou um texto que lembra as promessas, os gastos públicos, as mobilizações, as vitórias e derrotas da população no contexto dos megaeventos.

O pesquisador Erick Omena integrou a equipe do projeto “Metropolização e Megaeventos” do INCT Observatório das Metrópoles, coordenando o Eixo 3 Governança, tendo também colaborado como o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e com a Associação Nacional dos Torcedores (ANT). Atualmente é doutorando em Planejamento na Universidade de Oxford Brookes.

 

Respostas a algumas perguntas frequentemente feitas (FAQ) sobre a Copa do Mundo, Olimpíadas e protestos

 

“Por que protestar contra os preparativos da Copa e das Olimpíadas? Os problemas não são os mesmos que já existiam antes dos eventos serem anunciados?”

No geral, a desigualdade social e os problemas urbanos (falta de condições mínimas de acesso a transporte, habitação, saúde, educação, saneamento, cultura) já eram graves e os projetos justificados por megaeventos têm contribuído para sua intensificação. Investimentos públicos tendem a ficar ainda mais concentrados em áreas turísticas, que já possuíam infra-estrutura consolidada, ao invés de atenderem as áreas mais necessitadas. Um exemplo é a delimitação geográfica de projetos no Rio de Janeiro, como as UPPs e a ampliação do metrô para áreas mais abastadas (linha 4 Zona Sul -Barra da Tijuca) em detrimento da periferia onde vive grande parte dos trabalhadores (Linha 3 Centro do Rio-São Gonçalo e melhorias nas ligações ferroviárias entre Rio e Baixada Fluminense ).

Além disso, há a utilização de dinheiro público para um evento que sobretudo será um dos mais lucrativos da história da FIFA (faturamento recorde de US$ 4 bilhões), enquanto existem sérias dúvidas sobre a existência de reais benefícios para a população. Concretamente, os empréstimos com juros subsidiados pelo BNDES para a destruição-reconstrução e construção de estádios que serão repassados para a iniciativa privada poderiam estar atendendo demandas mais urgentes do país, bem como os demais investimentos voltados para estes eventos.

 

“É verdade que o Brasil já investe muito em saúde e educação e por isso é incoerente reclamar dos gastos com os eventos?”

A propalada destinação de R$ 800 bilhões para saúde e educação durante a preparação para a Copa do Mundo não significa que os problemas desses setores estejam resolvidos, nem que tais recursos são suficientes, nem que os gastos com os megaeventos são insignificantes. Nada disso apaga o problema de se gastar em torno de R$ 25 bilhões em cada evento com projetos de grandes impactos e controversos, como teleféricos, os BRTs e as UPPS, e desnecessários, como estádios voltados mais para a FIFA e para o lucro de grandes empresas do que para o público brasileiro e que em alguns casos tem grandes chances de seremsubutilizados após o mundial.

E se fossemos seguir essa mesma lógica, então o dinheiro gasto com saúde e educação poderia acabar ficando pequeno perto do montante gasto no período com o pagamento apenas dos juros da dívida pública para bancos (R$ 1,2 trilhões).

 

“Quais são os problemas diretamente decorrentes da Copa e das Olimpíadas?”

– 170.000 pessoas perderam ou perderão suas casas por causa destes eventos. Grande parte deste número é composto por comunidades carentes que estão sendo expulsas para as periferias das cidades, onde não há infra-estrutura adequada, para atender os interesses do mercado imobiliário e dos organizadores (FIFA e COI). Tais fatos também estão ligados ao boom imobiliário que vem também desalojando indiretamente muitos habitantes, em especial de favelas “pacificadas”.

– privatização e transformação dos estádios brasileiros em templos de consumo, dando um grande impulso para a elitização destes espaços tradicionalmente frequentados por todas as camadas da população.

– entrega de espaços públicos para entidades privadas, como os FIFA Fan Fest, ou mesmo de serviços públicos básicos para empresas, como é o caso da zona portuária do Rio de Janeiro.

– ameaça de destruição de equipamentos esportivos utilizados por atletas olímpicos e projetos sociais (Estádio de atletismo Célio de Barros, Parque Aquático Julio Delamare) escola (E.M. Fridenreich) e projetos culturais (Aldeia Maracanã) no RJ.

– restrição ao trabalho de camelôs nos estádios e seus arredores, que poderiam se beneficiar dos jogos. A área de 2 km no entorno dos estádios, bem como as vias que dão acesso a eles, serão zonas de exclusividade para comercialização de produtos dos parceiros e patrocinadores da FIFA.

– restrição ao trabalho de profissionais da imprensa, que só podem acessar estádios e publicar imagens comautorização da FIFA.

– violação de direitos trabalhistas nas construções, incluindo condições insuficientes de trabalho que até já causaram a morte de 9 operários.

– suspensão de leis brasileiras para atender as demandas da FIFA e de seus parceiros, como gratuidades, a meia-entrada e o limite de preços cobrados por produtos dentro dos estádios FIFA  e a liberação do limite de endividamento anteriormente imposto aos municípios.

– isenção fiscal para a FIFA, o COI e suas empresas parceiras, como patrocinadores e construtoras. De acordo com a receita federal, só a FIFA deve deixar de pagar R$ 559 milhões em impostos.

– proibição do uso de expressões patenteadas como “Copa do Mundo 2014”, bem como a transmissão de jogos em locais públicos não autorizados pela FIFA.

– a criminalização de moradores de rua.

– a criminalização de manifestações, violando o direito ao espaço público e à liberdade de expressão.

– responsabilização do governo federal, caso a FIFA tenha prejuízos decorrentes de imprevistos.

 

“É verdade que os eventos trazem turistas e recursos para o país?”

Esse pode não ser o caso, pois tudo depende de uma série de fatores não-relacionados aos eventos. Estudos indicam que em alguns países houve um decréscimo de turistas durante o período de competições devido ao grande receio de preços mais caros e caos causado por excepcionais aglomerações de visitantes. E a entrada de recursos pode ficar restrita a pequenos grupos e setores específicos, quando não é praticamente nula. Da mesma forma, a geração de empregos pode ser de natureza temporária e precária, quando não sem nenhuma remuneração, como no caso dos milhares de voluntários utilizados nos dois eventos. É difícil saber qual é o real impacto dos eventos em meio a vários outros fatores que também influenciam o contexto econômico. Porém, o fato mais concreto é que há um considerável montante de recursos que deixam de ser arrecadados pelo governo – e que poderiam ser revertidos em investimentos públicos necessários- em função das isenções fiscais concedidas.

 

“Ninguém falou nada disso quando a FIFA e o COI escolheram o Brasil como sede… Só agora esse povo resolveu protestar contra a copa?”

Não, a resistência aos megaeventos surge antes mesmo do anúncio do Brasil como sede da Copa e das Olimpíadas. Na verdade, já na preparação para os Jogos Pan-americanos de 2007 alguns grupos, como oComitê Social do Pan e a Plenária dos Movimentos Sociais, se organizaram e protestaram contra as remoçõesde comunidades pobres justificadas pelos jogos, a privatização de equipamentos públicos, promessas não cumpridas e o estouro de orçamentos (no caso do Pan 2007 os gastos finais foram 10 x maiores do que a previsão inicial de candidatura). Em relação à Copa e Olimpíadas, a organização da resistência por parte de comunidades afetadas e movimentos sociais já vinha sendo articulada desde o início de 2010. Protestos foram realizados, para ficar só em dois exemplos, durante o Fórum Social Urbano naquele ano e no sorteio das eliminatórias da copa em 2011, quando é iniciada a Articulação Nacional dos Comitês Populares para a Copa. Além disso, os detalhes contratuais das garantias oferecidas à FIFA em 2007 só começaram a ser revelados em 2012 com a aprovação da Lei Geral da Copa e a divulgação dos acordos sigilosos entre FIFA e cidades-sede após ação movida pelo Ministério Público de SP. E os vários impactos também só começaram a ser sentidos em 2012, quando as mobilizações foram consideravelmente expandidas, posteriormente se juntando às grandes manifestações de 2013.

 

“Já não está quase tudo construído? Do que adianta reclamar agora?”

Algumas importantes vitórias foram conquistadas através da mobilização de movimentos sociais. Em Fortaleza, por exemplo, o trajeto do VLT foi alterado após bastante pressão da população, diminuindo substancialmente a quantidade de pessoas removidas em função da obra. No Rio de Janeiro, foram revertidas as demolições de um estádio de atletismo e outro de esportes aquáticos, bem como de uma escola e do antigo Museu do Indio. Em São Paulo, camelôs poderão ao menos se cadastrar para trabalharem no entorno de estádios em dias de jogos. Em Salvador haverá a possibilidade das tradicionais baianas comercializarem o acarajé. Nesse sentido, muitas questões ainda estão em aberto, como o uso que será dado aos novos equipamentos, a responsabilização pelos gastos superfaturados por empreiteiras financiadoras de campanhas políticas, e as famílias que ainda estão sob ameaça de remoção por conta das obras que não ficarão prontas para a copa. A pressão social pode fazer a diferença.

Fonte: http://observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=870%3Afaq-sobre-a-copa-do-mundo-olimp%C3%ADadas-e-protestos&Itemid=164&lang=pt

Não vai ter Copa – Pelo menos 242 mil famílias ainda não têm energia elétrica em casa.

Não vai ter Copa

Pelo menos 242 mil famílias ainda não têm energia elétrica em casa. Percorremos 1.300 quilômetros no sertão do Ceará para contar a rotina de algumas pessoas que não vão assistir à Copa do Mundo

Fortunato da Silva parece viver em outro planeta. Quando vê a camisa da seleção brasileira, mostra-se indiferente. Para ele, é um “pano qualquer”. O desconhecimento sobre o manto mais famoso do futebol mundial justifica-se. O agricultor nunca teve energia elétrica em casa. Sem opção, mantém distância de tudo o que cerca a Copa do Mundo, o maior evento da Terra, prestes a ocorrer a 450 quilômetros dali, em Fortaleza.

A rotina de Fortunato, que vive em Serra da Estrela, comunidade localizada no município de Saboeiro, no sertão do Ceará, assemelha-se à de pelo menos 242 mil famílias brasileiras sem acesso à eletricidade (correspondentes a 960 mil pessoas, segundo o Ministério de Minas e Energia). Essa parcela da população, espalhada pelo país, dificilmente participará da Copa do Mundo mais cara da história, com custo oficial previsto em R$ 25,7 bilhões, segundo o Portal da Transparência.

Ao lado da casa de Fortunato da Silva, que não tem energia, passa uma linha de alta tensão que liga os municípios de Jucás e Catarina (CE)

Entrar em estádios será privilégio de poucos. Mas, para Fortunato e seus vizinhos, nem mesmo ver os jogos pela TV será possível. Dentre os 184 municípios do Ceará, Saboeiro é o que tem maior proporção de habitantes sem energia elétrica. Ao todo, 8,9% dos moradores da região não sabem o que é isso. É um índice alto, levando-se em conta que 1% da população do estado não possui o serviço.
 

“Beber água gelada é luxo. A gente
se contentaria com muito menos”

 
Prazeres simples, como beber água gelada ou refrescar-se com a brisa de um ventilador, são desconhecidos para eles. “Na verdade, a gente se contentaria com muito menos, como ter condições de ligar uma bomba para puxar água da cisterna para a plantação”, sonha Fortunato, cearense de 45 anos. Sem desfrutar de energia elétrica, a saída é fazer a irrigação de forma manual, quebra-galho sem o mesmo resultado. É do plantio de milho, feijão e fava, cultivo comum a todos os agricultores da região, que sai o prato de cada dia.

Distância de Fortaleza a Serra da Estrela, em Saboeiro: 450 km. Fonte: Google Maps.

Qualquer outro acompanhamento nem sempre disponível, como frango, peixe ou carne vermelha, precisa ser todo consumido no mesmo dia, pois não há geladeira. “Se a gente mata um carneiro, tem que chamar os vizinhos para comer junto, senão estraga”, explica Fortunato. A solução, para alguns, é salgar a carne e lavá-la antes do consumo. Isso não impede que o cheiro forte nas casas atraia toda sorte de insetos.

A família de Fortunato é uma das onze de Serra da Estrela, a cerca de 35 quilômetros da sede de Saboeiro. Para chegar à comunidade, é necessário percorrer 10 quilômetros de estrada carroçável. Os seis últimos quilômetros são uma subida íngreme, com acesso somente de moto. E, ainda assim, se não estiver chovendo forte. “Nossa vida já foi muito pior. Imagine quando não havia moto: subir com carga, só no lombo de jumento”, descreve Fortunato.

Além das motos, que se popularizaram na zona rural do Nordeste, outra novidade amenizou o sofrimento na comunidade: o Bolsa Família, instituído pelo governo Lula em 2003. Todas as famílias de Serra da Estrela recebem o benefício. No caso de Fortunato, são R$ 352 mensais, desde que mantenha na escola seus três filhos. Eles estudam no distrito de Barrinha e caminham os seis quilômetros serra abaixo para chegar ao colégio.
 

“Se a gente mata um carneiro, tem que chamar
os vizinhos para comer com a gente, senão estraga”

 
A renda certa é questão de sobrevivência onde não há emprego além da agricultura de subsistência. “Sem esse dinheiro, enfrentar as dificuldades de se viver sem energia elétrica seria ainda mais difícil”, expõe Fortunato. Outro programa federal, o Luz para Todos, nutriu a esperança de que o benefício mais sonhado também chegaria a suas casas. Mas, até aqui, tudo não passou de um desejo frustrado.

Parte da política governamental de oferecer melhores condições de vida a populações isoladas, o Luz para Todos levou torres de transmissão de energia a rincões de norte a sul do país. Uma dessas linhas passa literalmente sobre os moradores de Serra da Estrela. Instalada em 2006, ela transporta energia entre os municípios de Jucás e Catarina. Porém, não foi possível iluminar a comunidade de Saboeiro.

“A energia passa em cima das nossas casas, mas não pode chegar às nossas casas. Quando instalaram as torres, explicaram que a alta tensão impedia que um ramal descesse para cá”, relata o agricultor Valdir de Oliveira, de 48 anos. Por ironia, a luz passa tão perto e, ao mesmo tempo, está tão longe. “Já pedimos muitas vezes energia para a Coelce [Companhia Energética do Ceará], mas a desculpa é sempre a mesma.”
 

“A energia passa em cima das nossas casas,
mas não pode chegar às nossas casas”

 
A Coelce opera o Luz para Todos no estado e, no fim de 2013, tinha como meta instalar energia elétrica em 30 pontos de Saboeiro durante 2014 – até março, sete obras foram finalizadas. Porém, os moradores de Serra da Estrela terão que usar por mais um tempo velas e lampiões a gás ou querosene durante a noite, pois a companhia não sabe onde fica a comunidade, nem tem registro de solicitação do serviço.

Desde seu surgimento, o programa garantiu energia elétrica a 3,1 milhões de famílias, num total de 15,1 milhões de pessoas, segundo o Ministério de Minas e Energia. Passados 11 anos, contudo, o acesso ao serviço ainda não foi universalizado. Até 2000, 10,8% da população do Ceará não tinha eletricidade, aponta o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece). Hoje, o número está reduzido a menos de 80 mil pessoas, que vivem em comunidades isoladas como as de Saboeiro.
 

Das

3,1 milhões de famílias

que receberam energia elétrica no Luz para Todos

 

81%

compraram aparelhos de TV

 

78%

adquiriram geladeiras

 

25%

passaram a ter bombas d’água

Fonte: MME.

 
Poucos municípios como esse sofrem tanto com o problema. Ao todo, existem lá sete comunidades sem energia elétrica, incluindo ainda Passo Fundo, Ninador, Queimadas, Logrador, Paraná e Serra do Papagaio. “Em pleno século 21, isso não podia acontecer. Esse é um serviço básico para a sobrevivência humana”, opina Francisco Bezerra, agente administrativo da Secretaria de Agricultura de Saboeiro.

O cenário já foi pior. Antes do surgimento do Luz para Todos, quase a metade da população de Saboeiro não desfrutava de energia elétrica. Como explica o gestor, cabe à prefeitura fazer o levantamento das comunidades sem o serviço e encaminhá-lo à Coelce, que realiza um estudo topográfico da região. Dependendo da verba fornecida pelo programa, a solicitação é atendida de imediato ou futuramente.

“O custo médio [para eletrificação] é relativo, pois deve-se, entre outras questões, conhecer a distância física entre o solicitante e o sistema elétrico da distribuidora”, pontua a assessoria de imprensa da Coelce. “Não é uma obra barata, é fato. Mas é um custo que impede outros gastos lá na frente. Afinal, como se combate o êxodo rural sem oferecer condições dignas de vida no campo?”, questiona Bezerra.
 

“Em pleno século 21, isso não podia acontecer. Energia
elétrica é um serviço básico para a sobrevivência humana”

 
Em 11 anos, já foram investidos R$ 16 bilhões no Luz para Todos. A meta do governo federal é universalizar o fornecimento de energia elétrica no Brasil. Para isso, após a conclusão da 3ª etapa do programa, em dezembro deste ano, será feito um novo estudo para descobrir quem ainda ficou de fora. Cansados de esperar, alguns cidadãos vão dando seu próprio jeitinho, algo comum aos brasileiros.

Francimar de Oliveira conheceu a energia elétrica numa de suas viagens a São Paulo, onde trabalhou em algumas temporadas na construção civil. Desde 2007, ele não arredou mais o pé de Serra da Estrela, graças ao Bolsa Família. Com suas economias, o agricultor investiu numa tecnologia que a filha ouvira falar na escola. Por R$ 2 mil, o cearense instalou duas placas de energia solar no telhado, em janeiro.

Francimar de Oliveira era o único de Serra da Estrela que assistia ao amistoso do Brasil contra a África do Sul, após ter instalado por conta própria placas de energia solar

O sistema funciona na base do improviso. A energia passa por fios pela parede e alimenta uma bateria de caminhão. A carga acumulada liga a TV, que a família possuía em casa já havia dois anos, para o dia em que chegassem os postes por tanto tempo esperados. “A gente ainda não tem uma geladeira para realizar o sonho de beber água gelada, mas já dá pra ter um contato com o resto do mundo”, festeja Francimar.

Torcedor do Fortaleza, sua casa era a única da região que podia assistir ao amistoso do Brasil contra a África do Sul, que ocorreu no dia 5 de março, em preparação para a Copa do Mundo. Na vizinhança, ainda sem saber da novidade pertinho de casa, quem mantém algum contato com futebol precisou se contentar com a narração via rádio de pilha. Francimar, a esposa e os três filhos tiveram o privilégio de ver além de ouvir.

“O dinheiro que gastei é muito para gente pobre como eu, mas não é nada para um governo. Colocar placas dessas aqui na comunidade sairia mais barato do que trazer postes até aqui em cima”, compara o agricultor. Diferentemente de Fortunato, ele sabe o que significa a camisa amarelinha. E poderá vê-la em sua casa pela primeira vez numa Copa do Mundo. Graças à sua própria iniciativa.

 

 

 

 

 

Copa do Mundo até em Cafundó e Escondido

Quem não esquece a primeira Copa do Mundo que viu? Para a maioria, é uma lembrança da infância. Graças ao programa Luz para Todos, em alguns rincões o torneio do Brasil será justamente o primeiro. Dois deles têm nomes bem curiosos: Cafundó e Escondido. Comunidades quilombolas de Choró, a 175 quilômetros de Fortaleza, elas receberam o serviço de energia elétrica há três anos, depois do último Mundial.

As antenas parabólicas destoam das casas simples em Cafundó

O dia 20 de dezembro de 2011 não sai da memória dos moradores. As 35 famílias das duas comunidades do sertão do Ceará, todas com algum grau de parentesco, sempre mantiveram a esperança de que suas noites fossem iluminadas. Os postes vieram do alto, por meio de helicóptero. Só assim foi possível para a Companhia Energética do Ceará (Coelce) executar o projeto de eletrificação do local.

Cafundó e Escondido, como outras comunidades formadas por escravos fugidos, são duas das mais isoladas do país. Para chegar lá, é preciso percorrer 30 quilômetros desde a sede de Choró, sendo 10 quilômetros em estrada carroçável. Depois, é necessário subir uma serra de 680 metros de altitude, a pé, num terreno bastante acidentado. Dependendo do fôlego, essa caminhada morro acima dura de uma a duas horas.

Sem acesso por meio de carro, caminhão ou moto, as comunidades viveram praticamente esquecidas até o século 21. O Bolsa Família e a chegada da energia elétrica ajudaram a frear o êxodo local. Os moradores passaram a contar com uma renda mensal, que complementa o plantio da agricultura de subsistência, e a desfrutar dos prazeres da tecnologia.

Distância de Fortaleza a Cafundó e Escondido, em Choró: 215 km. Fonte: Google Maps

“A vida aqui melhorou muito. No meu tempo, eu trabalhava um dia inteiro para conseguir uma xícara de açúcar para a garapa deles [água com açúcar, bebida comum entre os pobres do interior do Nordeste]. Hoje, um dia de trabalho rende um saco de açúcar para o leite dos filhos deles”, compara o agricultor Dionísio de Oliveira, de 48 anos, um dos moradores que receberam da Coelce um aparelho de TV.

Não que o acesso a bens de consumo tenha resolvido todos os problemas. A distância de tudo ainda é um empecilho. A escola municipal de Cafundó atende dez crianças no ensino fundamental 1. Os mais crescidos, do fundamental 2, acordam às 3h30 para uma caminhada de duas horas morro abaixo até o distrito mais próximo, Conceição. Já os alunos de ensino médio viajam mais 30 quilômetros de ônibus até a sede de Choró.
 

Custo da obra de eletrificação de Cafundó e Escondido

R$ 797 mil,

equivalentes a

R$ 22 mil

para cada uma das 35 famílias das comunidades

 
“Não é à toa o nome. As pessoas vivem escondidas mesmo”, ri José Arimateia da Silva, de 37 anos. Nascido em Cafundó, o ex-agricultor desistiu da vida ao lado dos familiares em 2010. Vendeu a casa a um parente, por R$ 200, e alugou outra na sede de Choró, na época por R$ 70. “Cansei de subir e descer aquilo ali. É muito desgastante. Imagine então o sofrimento de crianças e idosos”, diz o vendedor de picolé.

Apesar do físico mirrado comum aos demais moradores, Teté, como é conhecido, era sempre requisitado para fazer força. Quando alguém fica doente, os familiares ou amigos precisam descê-lo carregado em redes de dormir. “Uma vez, após uma briga, um homem furou outro (esfaqueou). No desespero, desci a serra em 10 minutos para chamar uma ambulância, enquanto levavam ele carregado”, relembra.

Na base da serra, há uma placa já desgastada que informa o projeto de eletrificação. A obra custou R$ 797 mil ao programa Luz para Todos. Para que pudessem ser carregados por helicóptero, os postes foram fabricados em fibra de vidro. Não há iluminação pública, e, por isso, os clientes, todos de baixa renda, pagam em média R$ 5 por mês. A medição é feita por um dos moradores, que também cuida da escola.

A placa que demarca os R$ 797 mil investidos na obra em Cafundó está com os valores quase apagados após três anos

A chegada da energia elétrica garantiu outra benesse dos novos tempos. O uso de telefones celulares, que em certas regiões das comunidades captam sinal da TIM e da Claro – serra abaixo, também é possível telefonar com chip da Oi. O município ainda não dispõe de tecnologia 3G, mas sim a antiga 2G. Quando se está navegando na internet, uma chamada para o telefone derruba a conexão.

Apesar do horizonte aberto pela tecnologia, ainda existe gente sem contato com o exterior da comunidade. O agricultor Antônio Preto, de 74 anos, por exemplo, não faz ideia do que seja seleção brasileira. “Minha vida sempre foi de casa pra roça, da roça pra casa”, justifica. Hoje, porém, ele virou exceção. Quase todos os moradores possuem TV, e quem não tem pretende ver os jogos na casa de algum vizinho.

“A primeira Copa do Mundo que vi foi em 2010. Desci até a comunidade de Fonte Nova. Foram duas horas de ida e mais duas de volta”, relata o agricultor Geane de Oliveira, de 26 anos. “Foi tanto sacrifício que aquele jogo da seleção brasileira foi o único que assisti.” Ninguém merece mesmo. Nem as famílias de Cafundó e Escondido, nem as 242 mil ainda sem energia elétrica no Brasil.

 

 

 

 Reportagem de Rafael Luis Azevedo, do Verminosos por Futebol, para o Microbolsas da Copa.

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Fonte: http://apublica.org/2014/05/nao-vai-ter-copa/

Construção Coletiva – Rap da Rua #NãoVaiTerCopa

Lindo vídeo do coletivo Nigéria, companheirxs do Ceará.
Mulherada arrasando no Rap e na crítica!

Barraqueiros da Área Externa do Mineirão farão ato reivindicando seu direito ao Trabalho!

Barraqueiros da Área Externa do Mineirão farão ato reivindicando seu direito ao Trabalho! 

 

A Associação dos Barraqueiros da Área Miterna do Mineirão (ABAEM) estará hoje, por volta de meio-dia na porta do Ministério Público Estadual buscando uma solução para a gravíssima situação em que se encontram. A ABAEM é composta por  cerca de 150 pessoas de baixa renda – em sua maioria mulheres e idosos – que tiravam seu sustento da venda de comida, bebida e produtos esportivos na área externa do Estádio Magalhães Pinto, o Mineirão, em dias de jogos. Muitas dessas pessoas, trabalhavam no local desde a fundação do mesmo em 1965. Porém, desde 2010, quando o Estádio foi fechado para reformas e transferido ao Consócio Minas Arena, os trabalhadores organizados na ABAEM enfrentam sérias dificuldades de ordem financeira, relegados à sua própria sorte, em decorrência das obras para realização da Copa do Mundo FIFA 2014 e de sua Zona de Exclusão (prevista na Lei Geral) que proíbe o comércio informal e popular ao redor dos Estádios. Inicia-se aí uma longa jornada de lutas, na qual contam com a colaboração e apoio de movimentos como o Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (COPAC-BH) e a StreetNet.

 

Inúmeras audiências, reuniões e negociações foram realizadas no sentido de atender à essa demanda no âmbito das três esferas de governo, envolvendo, dentre outro atores institucionais o Ministério Público Federal, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Defensoria Pública Estadual de Minas Gerais, Assessoria de Articulação, Parceria e Participação Social do Governo do Estado de Minas Gerais, bem como o Ministério Público Estadual de Minas Gerais; entretanto os 150  trabalhadores e trabalhadoras, bem como suas famílias, permanecem ainda sem acesso à sua principal fonte de renda, tendo mantida a situação de violação do seu Direito Fundamental ao Trabalho. 

Considerando o compromisso assumido pelo Governo do Estado de Minas Gerais, através da Assessoria de Articulação, Parceria e Participação Social de promover emprego e renda como importante atribuição na esfera do desenvolvimento social, o que não foi cumprido no caso dos Barraqueiros em muito devido a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e em apoio à Associação dos Barraqueiros da Área Externa do Mineirão (ABAEM), exigimos que as devidas providências sejam tomadas para o retorno imediato das barraqueiras e barraqueiros à área externa do Mineirão! 

Nenhum minuto a mais de violação do direito ao Trabalho! Volta Tropeirão!

Copa pra quem?

COPAC-BH

 

 

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O que Há de errado com a Copa?

Veja a compilação de matérias que a Pública-Agência De Jornalismo Investigativo fez sobre o que há de errado com a Copa

– Leis aprovadas especialmente para o megaevento estabeleceram exceções não previstas na Constituição, como isenção de impostos para a Fifa:

Com leis próprias, megaeventos criam estado de exceção


– Um bom exemplo são as Áreas de Restrição Comercial de até 2 kms em torno de todos os estádios. Nelas, só pode vender quem vestir a camisa dos patrocinadores:

Território da FIFA


– Outro exemplo são as Áreas de Segurança dentro e fora dos estádios, onde a segurança é feita por agentes privados contratados diretamente pela FiFA, que podem ou não chamar a polícia. Até 28 de Abril, a Fifa não havia comuncado à PF que empresas farão a segurança:

Às vésperas da Copa, PF não sabe quem fará segurança nos estádios


– A maior promessa de Legado da Copa do Mundo era a melhoria na mobilidade das cidades-sede por obras que iam ser realizadas. Quase todas foram abandonadas:

Promessa da Copa de melhorar mobilidade urbana não será cumprida


– O “padrão Fifa” das novas Arenas estabelece um uso elitizado dos estádios, com ingressos mais caros e menos pessoas assitindo os jogos. As novas arenas têm preços 119% maiores do que os estádios antigos.

Estádio só pra rico?


– Remoções truculentas, sem a devida negociação com as populações afetadas e sem a garantia de um teto permanente aconteceram em todo o país. É o caso das 153 famílias que viviam na comunidade Restinga, no Rio. Esse minidoc mostra suas casas sendo demolidas sem aviso prévio:

Minidoc: Francisca perdeu tudo por estar no caminho da Transoeste


– Pressa em concluir as obras dos estádios e terceirização da mão de obra pelas empreiteiras colaboraram para a morte de 9 trabalhadores nas obras da Copa. Em Manaus, a família de Marcleudo Melo Ferreira, que caiu de uma altura de 35 metros, não recebeu nenhuma indenização, e pretende processar a Andrade Gutierrez.

Andrade Gutierrez enfrenta ação do MPT por acidentes de trabalho


– Segundo o jornalista investigativo britânico Andrew Jennings os chefes da Fifa se comportam como uma máfia. No seu livro, ele prova que nos mundiais da Alemanha (2006) e da África do Sul (2010) os irmãos Byrom, que controlam a empresa Match, deram ingressos para o vice-presidente da Fifa vender no mercado negro em troca de votos que o favoreciam no Comitê Executivo da Fifa. São os Byron que controlam a venda de ingressos para a Copa de 2014.

“Eles estão roubando vocês!”

Copa das Copas ou Copa das Tropas?

A Copa do Mundo, a cidade neoliberal e a resistência ao estado de exceção. Por Isabella Gonçalves Miranda, do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa – Belo Horizonte (COPAC).

Cerca de 2 mil milhões de reais foram investidos em segurança, na compra de armamentos, equipamentos de vigilância e treinamentos. Foto de Comité Popular da Copa de São Paulo

A Copa do Mundo e as Olimpíadas são os mais importantes e lucrativos megaeventos do capitalismo global. No contexto de sua preparação, radicalizam-se o sentido privativista de cidade e de políticas públicas contra os quais a esquerda brasileira historicamente se embate. No Brasil, a realização desse megaevento desestruturou a vida de mais de 250.000 brasileiros, que tiveram os seus direitos violados: comunidades removidas, favelas militarizadas, trabalhadores deslocados e acidentados, crianças e adolescentes em risco de exploração sexual, população em situação de rua violentamente oprimida, manifestantes criminalizados…

O clima de excepcionalidade gerado pelos megaeventos atropela os procedimentos democráticos de construção das cidades, com a flexibilização de legislações nacionais, estaduais e locais e com a promulgação de instrumentos de exceção. Além disso, são reativadas leis retrógradas como a Lei de Segurança Nacional, e criados novos tipos penais para punir a todos aqueles que sonhem contestar a realização do mundial.Trivializa-se a democracia para se ampliarem as possibilidades de reconfiguração das cidades segundo interesses privados.

A Copa tem criado uma cidade de exceção, exceção essa que aprofunda a regra do país: uma democracia militar cortada por fortes desigualdades sociais “geridas” por uma concertação política que quer agradar, simultaneamente, a trabalhador e patrão.

A Lei Geral da Copa e as suas correlatas, aprovadas nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, atacam direitos constitucionais dos brasileiros. Entre eles: direito a livre circulação, ao trabalho e ao acesso à Justiça. A criação de novos tipos penas e de um tribunal exclusivo para julgar os crimes nos arredores dos Estádios é um abuso sem precedentes. Além disso, nas vésperas da Copa do Mundo a militarização das periferias vem se ampliado, não apenas no Rio de Janeiro, onde a presença do exército por tempo indeterminado nas favelas foi iniciada, mas em várias outras cidades onde a Polícia Militar tenta impor com força uma paz sem voz.

A Copa tem criado uma cidade de exceção, exceção essa que aprofunda a regra do país: uma democracia militar cortada por fortes desigualdades sociais “geridas” por uma concertação política que quer agradar, simultaneamente, a trabalhador e patrão; camponês e latifundiário; especulador e ocupação.

É importante perceber que a Copa do Mundo e as Olimpíadas não são eventos isolados, eles compõem um modelo de desenvolvimento capitalista que vêm se acentuando no país nas últimas décadas de crescimento econômico e que vem atropelando os direitos e a dignidade das comunidades, aniquilando em muitos casos as suas formas de vida e as suas condições de existência. Nesse sentido, a mineração, as barragens, as grandes operações urbanas e os megaeventos, Copa e Olimpíadas, são todos faces de uma mesma moeda.

Entre as violações de direitos que se destacam no contexto de realização da Copa do Mundo no Brasil, listo algumas das situações mais graves:

1) A violação do direito à moradia e a higienização dos centros urbanos: A Copa do Mundo é a desculpa perfeita para o aprofundamento do modelo neoliberal de cidades. Além da especulação imobiliária ocasionada pela realização do Mundial, que atinge particularmente as famílias pobres e que vivem em casas arrendadas, mais de 250.000 pessoas foram removidas ou ameaçadas de remoção em decorrência das obras de infraestrutura da Copa do Mundo. Negativa de regularização fundiária, despejos violentos, truculência por parte da PM e do poder municipal, chantagens e pressão psicológica são algumas das artimanhas usadas para obrigar as famílias a saírem de terrenos que ocupavam há décadas e dar lugar aos empreendimentos da Copa. A situação é extremamente preocupante no caso da população em situação de rua, que é violentamente expulsa dos centros urbanos ou mesmo encarcerada durante o megaevento. Na Copa das Confederações, várias pessoas em situação de rua desapareceram e crianças e adolescentes foram internados de forma compulsória nas diferentes cidades-sede. Além disso, a Copa tem excluído radicalmente a possibilidade de a população ocupar e construir o espaço urbano de uma forma coletiva e democrática. Legislações de exceção votadas localmente e nacionalmente permitem aos setores empresariais privatizar a cidade que deveria ser de todos, amparados ainda pela força repressiva do Estado.

Muitos trabalhadores que serão perseguidos e impedidos de trabalhar durante a Copa, enquanto os lucros das grandes empresas associadas à Fifa – McDonalds, Heineker – estão garantidos.

2) Violação do direito ao trabalho e exploração até a última gota: A FIFA e os governos tentam vender-nos a ideia de que a Copa do Mundo trará muitos empregos e rendas para a população. Mas qual tipo de trabalho e economia é dinamizada pela Copa? A grande maioria dos trabalhos gerados pela Copa são empregos temporários nas obras infra-estruturais e estruturas de hotelaria. Além disso, as regras de licitação para o comércio na Copa excluem a economia popular, beneficiando apenas empresas multinacionais. Nos estádios brasileiros, é tradicional a venda de alimentos típicos, bebidas e outros itens em seu entorno por ‘vendedores ambulantes’ tais como os barraqueiros do Mineirão, as Baianas do Acarajé e as feiras de artesanato. Estes profissionais autônomos já eram regularizados e trabalhavam de acordo com normas municipais e exigências sanitárias. A FIFA exigiu a retirada de todos eles e os governos municipais negam-se a garantir-lhes outra opção de trabalho. Na cidade de Belo Horizonte trata-se da perda direta de mais de 4 mil postos de trabalho, isso sem contar aqueles muitos trabalhadores que serão perseguidos e impedidos de trabalhar durante a Copa, enquanto os lucros das grandes empresas associadas à Fifa – McDonalds, Heineker – estão garantidos.

3) Machismo e risco de exploração sexual: O histórico dos mega-eventos pelo mundo revela um dado preocupante: em Copas e Olimpíadas a exploração sexual de crianças e adolescentes cresce, além do tráfico de pessoas. A FIFA já declarou que não tem nada a ver com isso, eximindo-se de qualquer responsabilidade. As atitudes e exigências da organização levam a facilitação dos processos migratórios, que podem ampliar o tráfico de pessoas ao mesmo tempo em que se decretam férias escolares, retirando das crianças um espaço de proteção e promoção do pleno desenvolvimento. Além disso, as empresas associadas à FIFA estimulam a “venda” da imagem da mulher brasileira objetificada estimulando o turismo sexual de forma absolutamente racista e sexista, como no caso da camisa da Adidas. Os governos locais, por sua vez, não apresentam campanhas de prevenção a esses abusos, pelo contrário, flexibilizam os requisitos migratórios para facilitar a entrada e saída de torcedores.

4) Gastos públicos para lucros privados e inversão de prioridades: Os gastos públicos com a realização da Copa do Mundo no Brasil são controversos, pois além do dinheiro investido diretamente nas obras de infraestrutura (28 mil milhões de reais previstos inicialmente) existem ainda os recursos da população que são disponibilizados pelo Estado: equipes de saúde, segurança, etc. Além disso, a FIFA exigiu e conquistou a isenção de impostos para si e seus patrocinadores. Durante a Copa, empresas com grande margem de lucro como o Banco Itaú, Ambev, Hyunday, Coca-Cola e outras, não pagarão Confins, ICMs e impostos municipais. Isso deve privar os cofres públicos brasileiros de 10 mil milhões de reais. Além disso, os gastos “extras” para os dias dos jogos criarão uma grande dívida para estados e municípios. Resultado: lucro para as grandes multinacionais e empreiteiras, ônus para todos os cidadãos. Os gastos públicos com a Copa acabam retirando a possibilidade de investimento em outras áreas prioritárias como a moradia, a saúde e a educação. Precisamos de escolas, casas e hospitais e não de Estádios elitizados!

5) Criminalização dos Movimentos Sociais e do protesto: A FIFA impõe condições que violam direitos humanos e a própria democracia e pisam na história de lutas e conquistas do povo. Durante as Jornadas de Junho, que ocorreram concomitante à realização da Copa das Confederações, várias palavras de ordem e cartazes foram sustentados contra as violações de direitos, contra os abusos da Fifa e denunciando o descaso do país com a saúde, educação, moradia e mobilidade urbana, enquanto se investe milhares de milhões na realização da Copa. Em cidades como Belo Horizonte e Rio de Janeiro o caráter anticopa dos protestos foi acentuado. Símbolos do megaevento foram contestados e destruídos. Em Belo Horizonte a rota das grandes marchas seguiu sempre em rumo à zona de exclusão importa pela FIFA. A repressão foi dura e causou mortes entre os manifestantes.

A Polícia Militar, cuja atuação truculenta já é conhecida nasperiferias, mostrou nas ruas a sua cara mais suave que, mesmo assim, foi aterradora. As polícias militares estaduais do Brasil são reconhecidas como as mais violentas do mundo e já tiveram a sua extinção recomendada pela ONU. Uma polícia que mata mais que muitos exércitos e que também morre mais do que todas as outras. Esta verdadeira guerra que vivemos tende a aumentar com a Copa: cerca de 2 mil milhões de reais estão sendo investidos em ‘segurança, na compra de armamentos, equipamentos de vigilância e treinamentos. Em novembro de 2012, o governo federal comprou 50 milhões de reais em armas menos letais (balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, entre outras), que serão utilizadas na repressão de manifestações e protestos populares e não violentos.

As polícias militares estaduais do Brasil são reconhecidas como as mais violentas do mundo e já tiveram a sua extinção recomendada pela ONU. Uma polícia que mata mais que muitos exércitos e que também morre mais do que todas as outras.

A pouco menos de 30 dias para a Copa do Mundo fica bastante claro para as forças políticas da esquerda que a Copa do Mundo é um megaprojeto das elites que servirá para explorar e violar a dignidade do povo. Por isso: Na Copa vai ter luta!

Porque não abrimos mão da crítica à Copa do Mundo? Porque a Copa do mundo tem causado sofrimento humano injusto e violações de direitos que nos desumanizam a todos e porque acreditamos que a luta é a mais efetiva e democrática forma de transformação dessas mesmas condições de opressão.

Criticamos a Copa do Mundo para não se invisibilizar o legado perverso que ela deixa para muitos brasileiros e brasileiras, para que nunca se perca a nossa capacidade de indignação frente as injustiças. Lutamos para que os direitos das populações sejam reparados, e para que cesse o processo de higienização e militarização das cidades em prejuízo aos grupos mais vulneráveis. Lutamos para que o modelo de cidade impulsionado por esse megaevento não se transforme no cotidiano de produção do espaço urbano brasileiro.

Criticamos a Copa, assim como todos os megaprojetos de desenvolvimento que interpõe os interesses do capital aos direitos e dignidade das pessoas. Repudiamos a forma como o governo brasileiro tem facilitado esses megaprojetos no Brasil e em outros países do Sul.

Criticamos a Copa do Mundo da FIFA, não o futebol em geral, esporte que desperta tantas emoções e alegrias. A FIFA é hoje, a nível mundial, um dos símbolos mais evidentes do que o capitalismo tem de pior: pulsão desenfreada pela mercantilização de todas as esferas da vida; uma política internacional imperialista e corrupta; dominação e desprezo pelas populações locais; pressão pela instauração de um estado de exceção, cujo objetivo último é destruir a democracia para assegurar a acumulação sem fim.

No dia 15 de Maio se inicia a agenda de lutas unificada contra a Copa do Mundo. Essa agenda, amplamente debatida no I Encontro de Atingidos da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa questiona de forma incisiva o atual modelo neoliberal de políticas públicas no campo e na cidade e a criminalização do dissenso e do protesto, que atualmente se intensifica no país, com a Lei Geral da Copa e a ativação de legislações retrógradas, tal como a Lei de Segurança Nacional. (Clique aqui para ler o manifesto da ANCOP sobre o 15 de Maio).

Isabella Gonçalves Miranda, do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa – Belo Horizonte (COPAC) e integrante da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa.

 

 

Porque não abrimos mão da crítica à Copa do Mundo?

Porque não abrir mão da crítica à Copa do Mundo?

Isabella Gonçalves Miranda*

 

Acima de tudo, procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um revolucionário.” Ernesto Che Guavara.

 

A Copa do Mundo e as Olimpíadas são os mais importantes e lucrativos megaeventos do capitalismo global. No contexto de sua preparação se radicalizam o sentido privatista de cidade e de políticas públicas contra os quais a esquerda brasileira historicamente se embate. No Brasil, a realização desse megaevento desestruturou a vida de mais de 250.000 brasileiros, que tiveram seus direitos violados: comunidades removidas, favelas militarizadas, trabalhadores deslocados e acidentados, crianças e adolescentes em risco de exploração sexual, população em situação de rua violentamente oprimida, manifestantes criminalizados…

 

Qual então o sentido do silenciamento da crítica à Copa do Mundo por parte de importantes intelectuais e militantes de movimentos e partidos de esquerda?

 

Para responder a essa desconcertante pergunta recorremos ao contexto de construção de uma plataforma de governo nos últimos anos que prometeu traduzir algumas das principais pautas políticas da esquerda no Brasil, com especial enfoque nas políticas de redução da pobreza. Confiantes nesse projeto, movimentos sociais e organizações da sociedade civil fizeram uma opção estratégica de confiar politicamente no projeto levado adiante pela legenda do Partido dos Trabalhadores (PT). Por um lado, isso gerou mais confiança política, estabilidade e cooperação na construção de um projeto transformador de país, por outro, silenciou muitas das críticas e lutas justas que deveriam ser feitas ao governo, por receio de a mesma “fortalecer a direita”.

 

Pergunto-me, contudo, o que ocorre a um governo que deixa de ser pressionado pelo campo popular dentro de sistemas capitalistas?

 

O PT nunca deixou de ser pressionado pela direita e hoje constatamos que para se manter no poder o partido teve que ceder a perversas concertações políticas com setores da elite agrária e urbana, nacional e internacional. No contexto da Copa do Mundo, a FIFA surge como uma perversa força política transnacional, que tem levado o país a aprofundar modelos de desenvolvimento que violam os direitos dos povos e as soberanias locais.

 

A crítica a Copa do Mundo, portanto, é uma crítica justa que não pode ser condenada e nem silenciada, com o risco de estamos virando as costas para aqueles que foram oprimidos pelo contexto perverso da preparação do mundial. Os Comitês Populares da Copa, que atuam nas 12 cidades que serão sede dos jugos, integrados pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) há quatro anos tem feito um trabalho de denúncia e organização de grupos de atingidos pela Copa em seu processo de resistência. Tratam-se, por exemplo, de comunidades que se colocaram na frente da polícia e dos tratores contra os processos de remoção que a Copa intensificou.

 

Compostos por comunidades atingidas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, os comitês acreditam que a crítica à Copa do Mundo se faz não apenas justa, como cada vez mais necessária.

 

Vivemos em um cenário onde predomina um clima de insatisfação com a Copa do Mundo no Brasil. A maior parte dos brasileiros já se deu conta de que o Mundial não trará um legado positivo para a população. Há pouco mais de 30 dias para o mundial as ruas as pessoas falam da Copa com ressentimento e quando evocam a frase “imagina na Copa”, sempre seguem com algum comentário desanimador.

 

Atualmente a Copa do Mundo politizou o debate nacional sobre diversas questões estruturais no país, desde a questão do debate sobre as prioridades de investimento do orçamento público até discussões sobre a democracia e as políticas urbanas. Esse debate é extremamente salutar e revela a insatisfação de grande parte da população com a condução dos processos políticos no país.

 

Tal debate certamente influenciará o contexto eleitoral em outubro de 2014 e, por isso, tem razão os intelectuais e militantes que argumentam sobre a possibilidade de perdas eleitorais pela realização da Copa do Mundo. Não tem razão, no entanto, em apostar no silêncio ou mesmo na celebração do Mundial como medida de proteção ao governo federal. Se a crítica hoje é um dado, é necessário disputá-la no campo popular!

 

Para tal, é preciso combater algumas das falácias produzidas sobre aqueles que lutam contra a Copa do Mundo no Brasil:

 

Em primeiro lugar, é falsa a ideia de que as mobilizações contra a copa são promovidas pela direita ou por setores políticos cuja crítica é vazia de conteúdo. Se é verdade que existem setores que buscam se aproveitar do contexto político gerado pela Copa para atacar o governo, eles são um grupo minoritário, embora expressivo em termos de acesso aos meios de comunicação e capacidade de despertar atenções sobre suas pautas.

 

No campo popular, se organizam nas 12 cidades-sede Comitês Populares da Copa, movimentos sociais e organizações políticas que tem protagonizado expressivas críticas à Copa. Em Belo Horizonte, as ocupações urbanas ameaçadas de despejo lançaram o slogan “Se Tiver Despejo, não vai ter Copa” e mais recentemente o MTST, maior movimento social de luta pela moradia no Brasil, realizou uma ocupação chamada “Copa do Povo” como parte da luta contra a cidade de exceção promovida pelo mundial. Além desses, coletivos artísticos urbanos, movimentos pela tarifa zero e o passe livre, bairros e favelas de todo o Brasil se organizam para contestar o Mundial.

 

A crítica à Copa do Mundo que constroem esses grupos não se centra em questões vazias que visam incidir negativamente sobre o governo federal, tais como a pauta da corrupção, apresentada de forma moralizante pelos grandes meios de comunicação. Tratam-se de questionamentos importantes sobre as violações de direitos, sobre a intensificação de um modelo neoliberal de cidade, sobre a inversão de prioridades na utilização de recursos públicos, etc. Pautas caras a todo o campo popular.

 

Em segundo lugar, é falso dizer que a mídia nacional está a favor das críticas à Copa ou daqueles que se manifestam contra a Copa. Nos últimos meses os grandes meios de comunicação tem reforçado a criminalização dos protestos e jogado toda a opinião pública contra as formas de contestação mais variadas. Em uma edição recente da revista Veja os Comitês Populares da Copa foram colocados como ameaças ao lado de organizações terroristas internacionais. É preciso perceber que essa mesma mídia é financiada por empresas patrocinadoras da Copa, que lucram enormemente com a sua realização.

 

Se as manifestações de rua tomarem grandes proporções no período da Copa do Mundo é claro que haverá interesses da direita em pautar as críticas que emergem das ruas. Também é verdade que esses setores farão o uso da mídia para disputar essa crítica, portanto, estaremos em um cenário de grandes desafios. Por isso mesmo é preciso hoje mais convergência na construção de uma crítica sóbria, justa e necessária à Copa do Mundo pelos mais variados setores da esquerda, independente de opções eleitorais divergentes.

 

Na conjuntura atual é muito difícil prever o que serão as mobilizações na Copa do Mundo ou mesmo como será a conjuntura eleitoral, mas de algo podemos estar certos, a nossa fragmentação e desarticulação alimenta aos interesses daqueles que desejam ver reproduzidas as mais variadas formas de exclusão social e política que seguem marcando o cotidiano da vida das pessoas nas cidades e no campo brasileiro.

 

O contexto das Jornadas de Junho nos leva a refletir que embora tenham participado milhares de pessoas, com uma pauta de reivindicações extremamente diversa, foram principalmente pessoas organizadas em espaços de articulação e deliberação “face a face” que construíram contornos políticos à esquerda para as ações coletivas naquele mês e nos que se seguiram. Até certo ponto estreito e disputado, elas e eles foram sujeitos decisivos na convocação dos protestos e na construção de contrainformação  midiática, discursos e narrativas sobre o significado político de estar nas ruas, travando uma difícil disputa com os grandes meios de comunicação e outros grupos sociais e políticos. Como consequência as Jornadas de Junho fizeram emergir importantes pautas políticas como a redução da tarifa, a desmilitarização das polícias e a reforma política, além de ter alimentado em muitos o desejo de lutar por uma sociedade melhor.

 

Porque não abrimos mão da crítica à Copa do Mundo? Porque a Copa do mundo tem causado sofrimento humano injusto e violações de direitos que nos desumanizam a todos e porque acreditamos que a luta é a mais efetiva e democrática forma de transformação dessas mesmas condições de opressão.

 

Criticamos a Copa do Mundo para não se invisibilizar o legado perverso que ela deixa para muitos brasileiros e brasileiras, para que nunca se perca a nossa capacidade de  indignação frente as injustiças. Lutamos para que os direitos das populações sejam reparados, e para que cesse o processo de higienização e militarização das cidades em prejuízo aos grupos mais vulneráveis. Lutamos para que o modelo de cidade impulsionado por esse megaevento não se transforme no cotidiano de produção do espaço urbano brasileiro.

 

Criticamos a Copa, assim como todos os megaprojetos de desenvolvimento que interpõe os interesses do capital aos direitos e dignidade das pessoas. Repudiamos a forma como o governo brasileiro tem facilitado esses megaprojetos no Brasil e em outros países do Sul.

 

Criticamos a Copa do Mundo da FIFA, não o futebol em geral, esporte que desperta tantas emoções e alegrias. A FIFA é hoje, a nível mundial, um dos símbolos mais evidentes do que o capitalismo tem de pior: pulsão desenfreada pela mercantilização de todas as esferas da vida; uma política internacional imperialista e corrupta; dominação e desprezo pelas populações locais; pressão pela instauração de um estado de exceção, cujo objetivo último é destruir a democracia para assegurar a acumulação sem fim.

 

Por isso, no dia 15 de Maio se inicia a agenda de lutas unificada contra a Copa do Mundo. Essa agenda, amplamente debatida no I Encontro de Atingidos da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa questiona de forma incisiva o atual modelo neoliberal de políticas públicas no campo e na cidade e a criminalização do dissenso e do protesto, que atualmente se intensifica no país, com a Lei Geral da Copa e a ativação de legislações retrógradas, tal como a Lei de Segurança Nacional. (Clique aqui para ler o manifesto da ANCOP sobre o 15 de Maio: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=596:manifesto-15m)

 

Acreditamos que o silenciamento e a submissão nunca podem ser efetivos instrumentos na construção de uma política progressista e popular. A crítica é uma parte fundamental do processo democrático, quando sóbria e consequênte ela ganha um alto poder de impulsionar transformações importantes na sociedade. Se estivermos abertos para avaliar as potencialidades desse contexto de intensificação do debate democrático e da politização de questões estruturais, talvez possamos transformá-lo em um importante momento para o impulso de lutas sociais históricas no país, lutas que não se iniciam na Copa e nem se encerram nela.

 

Vídeos para acompanhar o texto:

https://www.youtube.com/watch?v=HmoLZBtqQ3c

https://www.youtube.com/watch?v=mhNym4Es-To

* Isabella G. Miranda é militante do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa e integra a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa.

Manifesto 15M

COPA SEM POVO: TÔ NA RUA DE NOVO! – Manifesto 15M

A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa se organiza desde 2011 para denunciar as violações de direitos humanos e fortalecer a resistência abaixo e à esquerda contra a violência estatal que se intensifica com a Copa da FIFA de 2014. No dia 15 de Maio de 2014, Dia Internacional de Lutas contra a Copa, inspirados peloEncontro Nacional dos Atingidos(as) por Megaeventos ocorrido em BH, em conjunto com  movimentos e organizações sociais, militantes e população em geral, estará nas ruas contra as distintas violações da Copa, Olimpíada e todos os processos que hoje levam à tentativa de construção de um projeto de cidade pró capital, cada vez mais excludente e privatista.

A Copa é um dos símbolos deste projeto e, em nome dela ele se fez avançar. Assim, é necessário fazer desta a Copa das Mobilizações, onde lutaremos diariamente: São 11 as nossas pautas em campo:

1) Queremos lembrar que as vitórias populares foram sempre uma conquista das ruas, seja nas greves, protestos, ocupações ou outras formas legítimas de manifestação eação política. As liberdades de expressão, manifestação e reunião constituem direito fundamental para a efetivação da democracia (Constituição Federal – artigo 5º). 50 anos depois do golpe empresarial-militar de 1964, a liberdade de manifestação segue ameaçada, limitada, proibida ou mesmo relativizada em nome da “ordem pública”. Para que possamos exigir nossos direitos e contestar a ordem capitalista vigente, é preciso antes de tudo que o direito de ocupar as vias públicas e interromper o cotidiano da cidade seja garantido.

A resposta violenta e autoritária do Estado aos conflitos sociais, apresentando as forças policiais como únicas “mediadoras”, além de agravar esses conflitos, é uma forma de violar liberdades civis e políticos, ameaçar a população para que se cale – e impor sobre todos uma única visão de mundo. Em três anos de mobilização contra a Copa, não houve qualquer disposição ao diálogo e nenhuma proposta de reparação aos direitos violados por parte das prefeituras, governos estaduais, distrital e federal, apesar de diversas reuniões e audiências em que exigimos informações sobre os projetos, participação popular nas decisões e o direito à cidade. Hoje, a LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO ANTES, DURANTE E DEPOIS DA COPA É NOSSA PRIMEIRA E MAIS IMPORTANTE BANDEIRA, e por ela voltamos às ruas, onde vamos mais uma vez buscar nossos direitos.

A ameaça e limitação ao direito de se manifestar se dá através de inúmeros projetos de lei que tramitam entre o Congresso e o Ministério da Justiça, como o PL 508 ou o PL 499. Em tempos de votação de projetos que tipificam o crime de terrorismo e que limitam o direito à livre manifestação, não são apenas os atos que questionam a copa que estão ameaçados. Com apenas uma canetada, todos os movimentos sociaispodem acabar enquadrados como terroristas, em uma clara tentativa de calar as vozes das ruas através da criminalização das lutas populares. Repudiamos e exigimos o arquivamento imediato de todos os projetos de lei antimanifestação que criam um estado de exceção dentro da democracia.

2) Salta aos olhos o avanço do braço armado do Estado em todas as esferas de governo: das Guarda Civis à Força Nacional de Segurança (FNS) e às Forças Armadas, passando pela Polícia Militar, com suas práticas da ditadura, e por seu par, a Polícia “Civil”, todas receberam aportes bilionários em equipamentos e armas, infra-estrutura, novas tropas, soldados, vigilância e monitoramento. O investimento de R$ 2 bilhões na segurança para os megaeventos é dos gastos da Copa o que mais assusta: contra qual inimigo isso tudo se volta?

Assistimos, em vários cantos do país, as cenas protagonizadas pela PM de violência e tortura a céu aberto nas ruas, escancaradas desde junho de 2013, com prisões em massa de manifestantes, além de inquéritos políticos em várias cidades que acusam a centenas de pessoas por participarem de atos. A criação de Tribunais “especiais” para julgar manifestantes detidos mais rápido, ou mesmo para julgar greves (e com isso impedir a luta dos trabalhadores), já foi anunciada. Lutar não é crime! Exigimos o fim dos inquéritos políticos e de tribunais especiais em nome da garantia do direito à ampla defesa e ao devido processo legal e do direito à greve, que estão na Constituição!

Nas ruas, a PM impede o direito de livre manifestação e realiza “detenções para averiguação”, que violam a Constituição Federal de 1988. A repressão e a violência contra a população pobre e negra, culminando em morte e humilhação é ainda maior, fortalecendo a crescente onda fascista e racista na sociedade. Não precisamos da escolta da PM em nosso protesto, com o mesmo número de soldados e de manifestantes, como se tornou comum. Terrorista é o Estado! Nosso protesto é pacífico e nossa luta é legítima! Não nos calaremos! Exigimos a desmilitarização das polícias, fator fundamental para construir uma sociedade mais justa e democrática, deixando para trás as sombras de um Estado penal autoritário.

3) A ameaça autoritária se concretiza através de normas já em vigor, como a Lei Geral da Copa aprovada em 2012, que permite a criação de zonas de exclusão de 2km nosespaços públicos ao redor dos estádios e áreas oficiais de torcedores com telões, onde apenas os patrocinadores oficiais poderão comercializar seus produtos (protegidos por um cerco militar), seguida de distintas regulamentações nas cidades sedes que proíbe o trabalho ambulante nas zonas de exclusão da FIFA. Significa que para circular nessas áreas, é necessário ser portador de ingresso ou credencial emitida pela FIFA, e o controle das áreas públicas será das empresas patrocinadoras, que ganharam licitações para as exibições públicas dos jogos: a privatização do espaço público já é uma realidade. Esse aparato institucional serve a um único interesse: garantir o monopólio e o lucro das 20 corporações patrocinadoras e da FIFA, privatizando o espaço público para excluir a população em uma operação higienista sem precedentes. Exigimos o direito ao trabalho ambulante antes, durante e depois da Copa, com espaço igual ao concedido às empresas na Fan Fest, para todos os trabalhadores informais!

4) Não bastassem as condições precárias de trabalho na construção civil, com a média de um operário morto por dia nas obras do país (foram 471 mortos em 2011), nove trabalhadores morreram nas obras dos estádios da Copa, e mais três em obras de outros estádios que seguem o mesmo modelo nos últimos três anos. Como exemplo, o Ministério Público do Trabalho afirmou recentemente que se a obra em São Paulo não fosse da Copa, já estaria interditada por falta de segurança! Exigimos pensão vitalícia para as famílias dos operários mortos e incapacitados em acidentes de trabalho e a responsabilização das construtoras!

5) No contexto de nenhum diálogo e nenhuma consulta à população, 250 mil pessoas já foram removidas e estão ameaçadas de remoção forçada por obras de megaeventos no Brasil. O déficit habitacional cresce no Brasil na mesma medida que o capital imobiliária recebe conjunto de benesses estatais. A resposta dos Governos aos processos de ocupação é a burocracia imensa das Secretarias de Educação e a repressão policial, ainda mais violenta contra a população pobre. Exigimos a realocação chave-a-chave de todas as famílias removidas, com moradia digna, e o fim dos despejos e remoções forçadas até que a moradia seja garantida para todos!

6) Em todo o país, dezenas de milhares de pessoas em situação de rua sofrem violência da PM e dos agentes na ponta: tem seus objetos apreendidos, sofrem violência e humilhação cotidiana e são empurrados para albergues que mais se parecem com campos de concentração, em condições precárias de alimentação, higiene e abrigo. Muitos dos que denunciam algo são mortos em uma semana. Com a Copa, o Estado quer expulsar de uma vez o povo das ruas do centro e a cada dia cresce a violência contra essa população. O povo da rua é o primeiro eliminado da Copa! Exigimos o fim da violência institucional contra o povo da rua, o direito de ir, vir e permanecer no espaço público e políticas públicas para garantir trabalho e albergues dignos.

7) Milhares de crianças, adolescentes, mulheres e a população LGBT sofrem a violência em seus corpos nas redes de exploração sexual e tráfico de pessoas. Com a Copa, o turismo sexual aumenta e as denúncias crescem na mesma medida que os Governos buscam esconder o fato em nome “da imagem do país”. Exigimos políticas sérias de prevenção e combate à exploração sexual e ao tráfico de pessoas, com campanhas nas escolas da rede pública, rede hoteleira, proximidades dos estádios e nas regiões turísticas, incluindo a capacitação dos profissionais do turismo e da rede hoteleira e o fortalecimento e ampliação das políticas de promoção dos direitos de mulheres, crianças e adolescentes e população LGBT.

8) Apresentado como grande legado da Copa para a população, o investimento em mobilidade urbana jamais se concretizou. O legado que não veio consiste em mais de 60 projetos de mobilidade urbana prometidos entre 2010 e 2013 para as cidades que vão sediar a Copa do Mundo. Mais de um terço foi riscado da lista, sobrando 42 empreendimentos. Isso significa que quase R$ 3 bilhões deixaram de ser investidos no setor. Já os recursos destinados aos estádios seguiram caminho oposto: dos R$ 5,6 bilhões previstos inicialmente, o número saltou para mais de R$ 8 bilhões. Exigimos investimentos por um transporte público de qualidade e gratuito, controlado pela população, para atender com prioridade às necessidades de deslocamento e o direito à cidade. Passe Livre Já

9) A FIFA foi presenteada pelo Congresso Nacional, Câmaras e Assembleias Legislativas com leis que concede isenção de impostos à entidade privada e suas parceiras comerciais, e a entidade vai lucrar, sozinha, o valor de R$ 10 bilhões com a Copa. Vários foram estádios e equipamentos públicos destruídos ou privatizados em nome dos jogos. Exigimos auditoria popular da dívida pública e das privatizações ocorridas nos três níveis de governo, de modo a investigar e publicizar as informações sobre os gastos públicos com megaeventos e megaprojetos, com o objetivo de reverter o legado de dívida da Copa da FIFA. Nós não vamos pagar nada! Exigimos a revogação da Lei Geral da Copa, que fere a soberania brasileira em nome da FIFA.

 

Chamada 15M !

Vídeo feito no Ato de encerramento do Encontro Nacional dos Atingidos.
Chamada para o 15 de maio.

Vai ter Copa ou não vai?

Vai ter Copa ou não vai? (artigo para a revista Em Debate, da UFMG)

Rudá Ricci[1]

Há momentos em que aparentemente um país se desencontra. Poucos se entendem e tudo parece estranho. Normalmente, esta sensação ocorre em momentos de mudanças sociais significativas. Aliás, foi num momento desses que foi citada, pela primeira vez, a palavra sociologia, num seminário realizado em Paris, no apartamento de Auguste Comte. O pai da sociologia sugeria a criação de uma nova ciência que pudesse analisar friamente (o autor, na verdade, sugeriu com neutralidade) o que ocorria com a urbanização acelerada e a destruição de instituições tradicionais e mudanças contínuas na paisagem social que, segundo ele, tiveram início com a Revolução Francesa e o advento do que denominou de “filosofia negativista” (de negação do passado).

Exageros teóricos à parte, o Brasil parecia imerso num manto de prosperidade e mesmice até que, durante os preparativos das festas juninas, as ruas rugiram, tal como se projetavam nas janelas das classes mais abastadas das grandes cidades europeias do século XIX. Assim como Comte, Baudelaire, Poe e Engels, estamos nós aqui buscando entender o que faz as ruas serem tomadas por multidões e descobrir onde elas estavam, até então. Começamos a pesquisar e sair com nossas mochilas nas costas, nossos laptops e celulares, entrevistando, fotografando, investigando o novo. Começávamos a formar o quebra-cabeça quando explodem os rolezinhos. E o país mergulha outra vez na montanha russa.

O slogan “Não vai ter Copa” só tem impacto porque é verossímil. E só emerge como ameaça porque o país não é o mesmo de abril de 2013. Porque em maio do ano passado já havia algum sinal de tempestade nos céus do país. Um simples boato sobre o fim do Programa Bolsa Família provocou, em três dias, 920 mil beneficiários a enfrentar filas enormes e sacar o resto de dinheiro que tinham em suas contas. Novamente, a boataria para dar certo tem que ser verossímil. O que nos faz crer que os Comitês Populares da Copa (os doze enfeixados na Articulação Nacional dos Comitês, a ANCOP), que criaram o slogan no final de 2013, estão com ouvidos e olhos atentos. Com efeito, em abril deste ano, o Datafolha verificou que 55% dos brasileiros acreditavam que a Copa da FIFA trará prejuízos ao país. Algo inusitado no país do futebol.

O que teria ocorrido? A explicação está na profunda mobilidade social – num país que tradicionalmente não tem mobilidade entre classes – que acometeu o país nos últimos dez anos.

Muito se alardeou nos últimos anos sobre os 40 milhões de brasileiros que deixaram a margem da sociedade – viviam abaixo da linha da pobreza – para serem incluídos pelo consumo. Não foram incluídos pelos direitos ou pela política, o que geraria um efeito político e social distinto do que efetivamente ocorreu. Motivado pelo discurso otimista de Marcelo Neri, da FGV-RJ, projetou-se um país de classe média. O Brasil estaria vivenciando algo similar ao que teria ocorrido nos EUA na década de 1950. A leitura otimista dava conta da consolidação acelerada de um imenso mercado consumidor interno que sustentaria um círculo virtuoso social e economicamente. 2010 teria sido o ápice desta trajetória. O que não se disse é que vivíamos lastreados nos investimentos chineses. Segundo estudo da ChinaGlobal Investment Tracker, o Brasil foi o principal beneficiário de investimentos chineses em 2010: US$ 13,7 bilhões, excluindo-se os títulos públicos e investimentos de menos de U$ 100 milhões. Para efeitos comparativos, Nigéria e Argentina receberam em torno de US$ 8 bilhões cada um da China em 2010; e EUA e Canadá, por volta de US$ 6 bilhões cada, de acordo com os números do levantamento. Em 2013, este volume se reduziu a 20%. E, pior, a China decidiu competir com o Brasil na venda de produtos à Argentina, o terceiro maior importador de produtos brasileiros (atrás de China e EUA).

O fato é que a inclusão pelo consumo logo revelaria as várias faces do Brasil.

A primeira, dos próprios beneficiários. A inclusão pelo direito, como a luta social organizada numa estrutura sindical ou num movimento social, fortalece o espírito coletivo e a noção de cidadania ativa. A inclusão pela política, derivada da conquista pelo voto ou pela militância partidária, também fortalece o espírito coletivo e as instituições de representação. Mas a inclusão pelo consumo deriva em dois comportamentos muito distintos. O primeiro, lastreado na noção de prestígio pelos bens adquiridos. Antes das manifestações de junho era senso comum análises de mercado que definiam os novos ícones do prestígio social dos emergentes: smartphones, televisões de tela plana, viagens aéreas, aquisição de casa própria e reformas das cozinhas de seus domicílios. A inclusão pelo consumo aumenta o esforço familiar para não retornar ao estágio anterior e tentar progredir. No máximo, forma-se uma subcultura comunitária que reforça o interesse, mas se distancia da solidariedade da qual se alimenta o direito. Porque o direito é universal, mas o interesse é grupal. O segundo comportamento derivado é a dependência da ação estatal. Porque o Brasil não gerou mudança na qualidade do emprego e, portanto, continua empregando pessoas de baixa qualificação e praticando baixos salários. Para alimentar a euforia consumista, o Estado necessita manter as políticas sociais de promoção social. Ocorre que com a redução dos investimentos externos, em especial, chineses, o governo federal preferiu ampliar a base de beneficiados a criar nova geração de política de transferência de renda ou acompanhar as famílias já inseridas no amplo mercado consumidor.

Os rolezinhos foram, no início deste ano, a maior expressão deste segmento emergente pelo consumo. Formados por pré-adolescentes e adolescentes residentes nas periferias das capitais brasileiras (em especial, do eixo centro-sul), os rolezinhos projetaram a voraz ideologia consumista dos filhos daqueles que, anos atrás, saíram da pobreza absoluta para se sentirem dignos pela compra de produtos top de linha. O ambiente social desse grupo infanto-juvenil é, e sempre foi, o shopping center da periferia onde vivem. A segurança do ambiente lhes proporciona a condição básica para adquirir seus ícones de consumo, se alimentar e se divertir pelos corredores iluminados e cercados por um clima de excitação permanente, onde sempre é dia.

A reação das classes mais abastadas que se acostumaram à ausência de mobilidade social brasileira foi agressiva e imediata. Expuseram a cultura estamental que tolera o diferente desde que permaneça nos seus locais de origem. Os espaços demarcados pela diferença social foram revelados em poucos dias, em que a histeria dos adolescentes era condenada cruelmente pela histeria que tomou conta dos frequentadores dos centros comerciais de alto luxo, distantes dos centros da periferia que sediavam os encontros em massa dos jovens da periferia.

Enfim, o Estado Provedor, tal como se esboçou nos últimos dez anos, criou um país desencontrado, ou melhor, um país que foi obrigado a encarar seu reflexo no espelho. Um Estado que se legitima na medida em que mantém o sentimento de ascensão social, mas que se enreda na crise da economia internacional. Na outra ponta, uma sociedade historicamente engessada socialmente que estranha qualquer mudança social acelerada. Mudanças, afinal, que conspurcam os espaços determinados para o convívio de classes sociais distintas.

A situação parece ainda mais complexa quando se percebe que a rede de entidades de mediação social (ONGs, sindicatos e entidades confessionais) deixou de cumprir seu papel de colher demandas e frustrações difusas na base da sociedade e se caminharam para o envolvimento com arenas e convênios estatais. As ruas ficaram órfãs em meio à agitação social que se espraiou pelo país nos últimos anos.

Os protestos de junho, embora motivados e liderados por outro segmento da juventude brasileira (jovens de 20 a 30 anos, universitários, forjados nas comunidades fechadas das redes sociais), abriram as comportas para os “novos brasileiros” (os brasileiros da inclusão pelo consumo) se expressarem. Algo se quebrou na velha lógica do cinismo político das classes menos favorecidas. Algo os motivou a expressar mais claramente seus medos e ressentimentos e a desconfiar da tutela estatal. Um grito contido que anunciava que talvez fosse possível outra forma de relacionamento com o mundo político. Nada muito desenhado com precisão, mais uma queixa raivosa que uma solução.

Este é o cenário dos protestos que se avizinham. Um Estado acuado em país desencontrado.

O que é certo é que a Copa da FIFA já não será aquela planejada pelas elites desportivas e políticas. A seleção brasileira de futebol não será exatamente o Brasil de chuteiras. Os brasileiros parecem mais desconfiados, mais exigentes. Parecem relacionar os gastos com as obras de preparação do campeonato com o fim do clima de euforia consumista que tomou o Brasil em 2010.

Ocorrerão os jogos do campeonato da FIFA. Mas não será mais a Copa que um dia colocou 90 milhões de brasileiros em ação.

Fonte: http://rudaricci.blogspot.com.br/2014/05/vai-ter-copa-ou-nao-vai-artigo-para.html

A Copa já era!!!

POR JORGE LUIZ SOUTO MAIOR*
Publicado no Blog do Juca Kfouri

O presente texto tem o propósito de apresentar onze argumentos, do goleiro ao ponta-esquerda, para demonstrar que a Copa já era!

Ou seja, que já não terá nenhum valor para a sociedade brasileira e, em especial para a classe trabalhadora, restando-nos ser diligentes para que os danos gerados não se arrastem para o período posterior à Copa.

1. A perda do sentido humano

O debate entre os que defendem a causa “não vai ter copa” e os que afirmam “vai ter copa” está superado. Afinal, haja o que houver, o evento não vai acontecer, ao menos no sentido originariamente imaginado, como instrumento apto a gerar lucros e dividendos políticos “limpinhos”, como se costuma dizer, pois não é mais possível apagar os efeitos deletérios que a Copa já produziu para a classe trabalhadora brasileira. É certo, por exemplo, que para José Afonso de Oliveira Rodrigues, Raimundo Nonato Lima Costa, Fábio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos Santos, Marcleudo de Melo Ferreira, José Antônio do Nascimento, Antônio José Pitta Martins e Fabio Hamilton da Cruz, mortos nas obras dos estádios, já não vai ter Copa!
Aliás, a Copa já não tem o menor valor para mais de 8.350 famílias que foram removidas de suas casas no Rio de Janeiro, em procedimento que, como adverte o jornalista Juca Kfouri, no documentário, A Caminho da Copa, de Carolina Caffé e Florence Rodrigues, “lembram práticas nazistas de casas que são marcadas num dia para serem demolidas no dia seguinte, gente passando com tratores por cima das casas”. Essas práticas, segundo relatos dos moradores, expressos no mesmo documentário, incluíram invasões nas residências, para medir, pichar e tirar fotos, estabelecendo uma lógica de pressão a fim de que moradores assinassem laudos que atestavam que a casa estava em área de risco, sob o argumento de que na ausência de assinatura nada receberiam de indenização, o que foi completado com o uso da Polícia para reprimir, com extrema violência, os atos de resistência legítima organizados pelos moradores, colimando com demolições que se realizaram, inclusive, com pessoas ainda dentro das casas. As imagens do documentário mencionado são de fazer chorar e de causar indignação, revolta e repúdio, como o são também as imagens da violência utilizada para a desocupação de imóvel da VIVO na zona norte do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 11 de abril de 2014, onde se encontravam 5.000 pessoas. Lembre-se que as remoções para a Copa ocorreram também em Cuiabá, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Manaus, São Paulo e Fortaleza, atingindo, segundo os Comitês Populares da Copa, cerca de 170 mil famílias em todo o Brasil.
A Copa já não tem sentido para o Brasil, como nação, visto que embora sejam gastos cerca de R$ 30 bilhões para o montante total das obras, sendo 85% vindos dos cofres públicos, a forma como se organizou – ou não se organizou – a Copa acabou abalando a própria imagem do Brasil. Ou seja, mesmo se pensarmos o evento do ponto de vista econômico e ainda que, imediatamente, se possa chegar a algum resultado financeiro positivo, considerando o que se gastou e o dinheiro que venha a ser atraído para o mercado nacional, é fácil projetar um balanço negativo em razão da quebra de confiabilidade.
Se o Brasil queria se mostrar, como de fato não é, para mais de 2 bilhões de telespectadores, pode estar certo de que a estratégia já não deu certo.
A propósito, a própria FIFA, a quem se concederam benefícios inéditos na história das Copas, tem difundido pelo mundo uma imagem extremamente negativa do Brasil, que até sequer corresponde à nossa realidade, pois faz parecer que o Brasil é uma terra de gente preguiçosa e descomprometida, quando se sabe que o Brasil, de fato, é um país composto por uma classe trabalhadora extremamente sofrida e dedicada e onde se produz uma inteligência extremamente relevante em todos os campos do conhecimento, mas que, enfim, serve para demonstrar que maquiar os nossos problemas sociais e econômicos não terá sido uma boa estratégia.

2. Ausência de beneficio econômico

Mesmo que entre perdas e ganhos o saldo econômico seja positivo, há de se indagar qual o preço pago pela população brasileira, vez que restará a esta conviver por muitos anos com o verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos próprios estádios e em aeroportos e avenidas, além da indignação de saber que os grandes estádios e as obras em aeroportos custaram milhões aos cofres públicos, mas que, de fato, pouca serventia terão para a maior parte da classe operária, que raramente viaja de avião e que tem sido afastada das partidas de futebol, em razão do processo notório de elitização incrementado neste esporte.
Oportuno frisar que o dinheiro público utilizado origina-se da riqueza produzida pela classe trabalhadora, vez que toda riqueza provém do trabalho e ainda que se diga que não houve uma transferência do dinheiro público para o implemento de uma atividade privada, vez que tudo está na base de empréstimos, não se pode deixar de reconhecer que foram empréstimos com prazos e juros bastante generosos, baseados na previsibilidade de ganhos paralelos com o evento, ganhos que, no entanto, já se demonstram bastante questionáveis.
No caso do estádio Mané Garrincha, em Brasília, por exemplo, com custo final estimado em R$1,9 bilhões, levando-se em consideração o resultado operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra, qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou, o que é um absurdo do tamanho do estádio, ainda que o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e o secretário executivo da pasta, Luis Fernandes, tenham considerado o resultado, respectivamente, “um êxito” e “um exemplo contra o derrotismo”.
O problema aumenta, gerando indignação, quando se lembra que não se tem visto historicamente no Brasil – desde sempre – a mesma disposição de investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte.
O que se sabe com certeza é que a FIFA, que não precisa se preocupar com nenhum efeito social e econômico correlato da Copa, obterá um enorme lucro com o evento. “Uma projeção feita pela BDO, empresa de auditoria e consultoria especializada em análises econômicas, financeiras e mercadológicas, aponta que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil vai render para a Fifa a maior arrecadação de sua história: nada menos do que US$ 5 bilhões entrarão nos cofres da entidade (cerca de R$ 10 bilhões).”

3. O prejuízo para o governo

O governo brasileiro, que tenta administrar todos os prejuízos do evento, vê-se obrigado, pelo compromisso assumido por ocasião da candidatura, a conferir para a FIFA garantias, que ferem a Constituição Federal e que, por consequência, estabelecem um autêntico Estado de exceção, para que o lucro almejado pela FIFA não corra risco de diminuição, entregando-lhe, além dos estádios, que a FIFA utilizará gratuitamente:
a) a criação de um “local oficial de competição”, que abrange o perímetro de 2 km em volta do estádio, no qual será reservada à FIFA e seus parceiros, a comercialização exclusiva, com proibição do livre comércio, inclusive de estabelecimentos já existentes no tal, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento;
b) a institucionalização do trabalho voluntário, para serviços ligados a atividade econômica (estima-se que cerca de 33 mil pessoas terão seu trabalho explorado gratuitamente, sem as condições determinadas por lei, durante o período da Copa no Brasil);
c) o permissivo, conferido pela Recomendação n. 3/2013, do CNJ, da exploração do trabalho infantil, em atividades ligadas aos jogos, incluindo a de gandula, o que foi proibido, ainda que com bastante atraso, em torneios organizados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), desde 2004, seguindo a previsão constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);
d) a liberdade de atuar no mercado, sem qualquer intervenção do Estado, podendo a FIFA fixar o preço dos ingressos como bem lhe aprouver (art. 25, Lei Geral da Copa);
e) a eliminação do direito à meia-entrada, pois a Lei Geral da Copa permitiu à FIFA escalonar preços em 4 categorias, que serão diferenciadas, por certo, em razão do local no estádio, sendo fixada a obrigatoriedade de que se tenha na categoria 4, a mais barata (não necessariamente com preço 50% menor que a mais cara), apenas 300 mil ingressos, sem quórum mínimo para cada jogo, e apenas dentre estes é que se garantiu a meia entrada para estudantes, pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; e participantes de programa federal de transferência de renda, que, assim, foram colocados em concorrência pelos referidos ingressos;
f) o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, deixando-se os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos à definição exclusiva da FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade: de modificar datas, horários ou locais dos eventos, desde que seja concedido o direito ao reembolso do valor do ingresso ou o direito de comparecer ao evento remarcado; da venda de ingresso de forma avulsa, da venda em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do ingresso após a confirmação de que o pedido de ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do ingresso, independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso (art. 27).

4. O prejuízo para a cidadania

Para garantir mesmo que o lucro da FIFA não seja abalado, o Estado já anunciou que o evento terá o maior efetivo de policiais da história das Copas, com gasto estimado de 2 bilhões de reais, mobilizando, inclusive, as Forças Armadas, tudo isso não precisamente para proteger o cidadão contra atos de violência urbana, mas para impedir que o cidadão, vítima da violência da Copa, possa se insurgir, democraticamente, contra a sua realização.
A respeito das manifestações, vale frisar, é completamente impróprio o argumento de que como nada se falou antes, agora é tarde para os cidadãos se insurgirem. Primeiro, porque quando o compromisso foi firmado ninguém foi consultado quanto ao seu conteúdo. E, segundo, porque nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada. O argumento, portanto, é insustentável e muito grave, sobretudo no ano em que a sociedade brasileira se vê diante do desafio de saber toda a verdade sobre o golpe de 1964 e os 21 anos da ditatura civil-militar.
Deve-se acrescentar, com bastante relevo, que o evento festivo, composto por alguns jogos de futebol, está sendo organizado de modo a abranger toda a sociedade brasileira, impondo-lhe os mais variados sacrifícios, pois impõe uma intensa alteração da própria rotina social, atingindo a pessoas que nenhuma relação possuem com o evento ou mesmo que tenham aversão a ele.
O próprio calendário escolar foi alterado, para que não houvesse mais aulas durante a Copa, buscando, de fato, melhorar artificialmente o trânsito e facilitar o acesso aos locais dos jogos. A educação, que é preceito fundamental, que se arranje, pois, afinal, é ano da Copa! Algumas cidades, para melhor atingir esse objetivo da facilitar a circulação, mascarando os problemas do transporte, pensam, seriamente, em decretar feriados nos dias de jogo da seleção brasileira, interferindo, também, na lógica produtiva nacional.
Nos serviços públicos já se anunciaram alterações nos horários de funcionamento, de modo a não permitir coincidência com os dias de jogos do Brasil, sendo que em alguns Tribunais do Trabalho (Mato Grosso – em Cuiabá e nas cidades do interior; Rio Grande do Sul e São Paulo, com diferenças de intensidade e de datas); o funcionamento foi suspenso, gerando adiamento das audiências… Ou seja, o trabalhador, que esperou meses para ser atendido pela Justiça, verá sua audiência adiada para daqui a alguns novos meses, pois, afinal, era dia de jogo da Copa!
Somados todos esses fatores, é fácil entender que a Copa já perdeu todo o sentido para a nação brasileira. Não por outra razão, aliás, é que a aprovação para a realização da Copa no Brasil, em novembro de 2008, que era de 79% caiu, em abril de 2014, para 48%, e os que eram contrários subiram, no mesmo período, de 10% para 41%, sendo que mais da metade dos brasileiros considera que os prejuízos serão maiores que os ganhos.

5. O prejuízo para a razão

Numa leitura otimista, o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, que se chama, por coincidência reveladora, Ricardo Trade (comércio, em inglês), prefere dar destaque ao fato de que 48% são a favor e apenas 41% são contra, avaliando, então, que o copo está meio cheio. Só não consegue ver que o copo está esvaziando e que, de fato, nos trens e ônibus, que transportam os trabalhadores, só se fala da Copa para expressar indignação com relação às condições do transporte, da saúde, das escolas, e da falta de creches. Sintomático, aliás, o fato de que as periferias das grandes cidades não estão pintadas para a “festa” do futebol, como estavam nas Copas anteriores e isso porque, com a Copa sendo realizada aqui, é possível ver as disparidades e perceber com maior facilidade como a retórica do legado não atinge, concretamente, a vida da classe trabalhadora.
Os tais empregos gerados são precários e inseridos, sobretudo nas obras de estádios, aeroportos e vias públicas, na lógica perversa da terceirização, sendo que muitos trabalhadores ainda serão explorados sem qualquer remuneração no mal denominado trabalho “voluntário”, referido com orgulho pelo “Senhor Comércio”.
Fato é que não será mais possível assistir a um jogo da Copa, no estádio, pela TV ou nos circos armados do “Fan Fest” e se emocionar com uma jogada ou um gol, sem lembrar do preço pago: assalto à soberania; Estado de exceção; gastos públicos; abalo da confiabilidade em razão da desorganização; violências dos despejos, dos acidentes de trabalho e da repressão policial…
Sobre o Fan Fest, ademais, é oportuno esclarecer que se trata de um “evento oficial” da Copa da FIFA, que deve ser organizado e custeado pelas cidades sedes de jogos, para que os excluídos dos estádios possam assistir aos jogos por um telão, com o acompanhamento de shows. Esse evento, organizado e pago pelo Estado (que se fará em São Paulo mediante pareceria com o setor privado, conforme Comunicado de Chamamento Público n. 01/2014/SMSP, que estabeleceu o prazo de uma semana para o oferecimento de ofertas), realizado em espaço público, atende aos interesses privados da FIFA e suas parceiras. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, o Decreto n. 55.010, de 9 de abril de 2014, assinado pela vice-prefeita em exercício, Nádia Campeão (em nova coincidência reveladora), que regulou o evento, transforma a área pública do Fan Fest em uma área privada, reservada, como dito no Decreto, aos fãs da Copa. Nos termos expressos no Decreto: “FAN FEST: área do Vale do Anhangabaú indicada pela cidade-sede e reconhecida pela FIFA como área de lazer exclusiva aos fãs da Copa do Mundo FIFA 2014” (inciso VIII, do art. 2º.) – grifou-se
O mesmo Decreto fixa esse local, o do Fan Fest, como área de “restrição comercial”, que são “áreas definidas pelo Poder Público Municipal com perímetros restritos no entorno de locais oficiais específicos de competição, nas quais, respeitadas as normas legais existentes, fica assegurada a exclusividade prevista no artigo 11 da Lei Federal nº 12.663, de 2012, à FIFA ou a quem ela autorizar” (inciso XIII, do art. 2º.), valendo reparar que o Decreto, artificialmente, amplia, em muito, a extensão geográfica do Vale do Anhangabaú: “FAN FEST: a partir do Largo da Memória, Rua Formosa, Viaduto do Chá, Praça Ramos de Azevedo, Rua Conselheiro Crispiniano, Rua Capitão Salomão, Praça Pedro Lessa, Largo São Bento, Rua Florêncio de Abreu, Rua Boa Vista, Rua Líbero Badaró, Praça do Patriarca, alça de retorno da Av. 23 de Maio do sentido Bairro/Centro para o sentido Centro/Bairro, Av. 23 de Maio, entre o Largo da Memória e o Viaduto do Chá, conforme Anexo II deste decreto” (inciso II, do art. 3º.), atingindo até mesmo o espaço aéreo: “Os espaços aéreos correspondentes aos perímetros descritos nos incisos I e II do “caput” deste artigo também se constituem em áreas de restrição comercial” (parágrafo único do art. 3º.).
É importante saber que ao se impedir a comercialização na área reservada a Prefeitura de São Paulo acabou interrompendo um processo de negociação, iniciado em maio de 2012, com os ambulantes que atuavam na cidade e, em especial, na região central, onde se situa o Vale do Anhangabaú, e cuja licença havia sido cassada no contexto de uma política de endurecimento muito forte quanto à fiscalização de sua atuação, que fora intensificada, exatamente, a partir de 2011, quando houve a assinatura do termo de compromisso, anunciando São Paulo como uma das cidades sedes da Copa. Em 2012, acabaram sendo canceladas todas as 5.137 licenças dos ambulantes e até hoje, mesmo após instaurado, desde 2012, um grupo de trabalho tripartite – trabalhadores, sociedade civil e prefeitura (Fórum dos Ambulantes), para a discussão do problema, nada se resolveu e, em concreto, ao editar o Chamamento Público acima citado, a Prefeitura acabou dificultando sobremaneira a pretensão dos ambulantes de terem alguma atuação comercial durante a Copa. É a Copa, na verdade, fechando postos de trabalho!

6. De novo o dinheiro

Há de se considerar que todos esses efeitos já foram produzidos e continuarão repercutindo na vida real para além da Copa, ainda que o saldo econômico desta venha a ser positivo.
E se o tema é dinheiro, há de se indagar: dinheiro para quem, cara pálida? É evidente que o benefício econômico não ficará para a classe trabalhadora e sim para quem explora o trabalho ou se vale da lógica de reprodução do capital. Para o trabalhador, o dinheiro que se direciona é o fruto do trabalho realizado, que, de fato, na lógica do modelo de sociedade capitalista, não representa, jamais, o equivalente necessário para restituir à classe trabalhadora como um todo o valor do trabalho empregado no serviço ou na obra. A lógica econômica da Copa não é outra coisa senão a intensificação do processo de acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho alheio, sendo que se considerarmos a utilização do denominado “trabalho voluntário”, que se realizará sem qualquer custo remuneratório, a acumulação que se autoriza é ainda maior.
O tal efeito benefício econômico, a que tanto se alude, portanto, não será, obviamente, revertido à classe trabalhadora. Esta, inclusive, será enormemente prejudicada, na medida em que o dinheiro público utilizado para financiar a atividade lucrativa de índole privada foi extraído da tributação realizada sobre a riqueza produzida pelo trabalho e que, assim, deveria ser, prioritariamente, revertida ao conjunto da classe trabalhadora para a satisfação das necessidades essenciais garantidas por preceitos constitucionais: escolas, hospitais, previdência e assistência social, creches e transporte, por exemplo. É completamente ilógico dizer, como disse o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, no texto mencionado, que se está usando o dinheiro público para incentivar uma produção privada com o objetivo de, ao final, tributar essa produção e devolver o dinheiro aos cofres públicos.
O argumento seria apenas ilógico não fosse, também, digamos assim, carregado de alguns equívocos, o que o torna, portanto, muito mais grave. Ora, como adverte Maurício Alvarez da Silva, pelos termos da Lei Geral da Copa, Lei n. 12.350/10, “foi concedida à Fifa e sua subsidiária no Brasil, em relação aos fatos geradores decorrentes das atividades próprias e diretamente vinculadas à organização ou realização dos Eventos, isenção de praticamente todos os tributos federais” .
Além disso, em 17 de maio de 2013, o governo federal publicou no “Diário Oficial da União decreto que concede isenção de tributos federais nas importações destinadas à Copa das Confederações neste ano e à Copa do Mundo de 2014. Entre os produtos incluídos na isenção estão alimentos, suprimentos médicos, combustível, materiais de escritório, troféus. O benefício abrange Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na importação, Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Taxa de utilização do Siscomex, Taxa de utilização do Mercante, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante e Cide-combustíveis”.
Em concreto, continuarão sendo tributados apenas as empresas nacionais, que não estejam integradas ao rol das apaziguadas da FIFA, sofrendo, ainda, com a isenção concedida às importadoras, os trabalhadores e os consumidores, sendo que o valor circulado nesta seara é ínfimo se considerarmos aquele, sem tributação, destinado à FIFA e suas parceiras e às importadoras.

7. De novo os ataques aos trabalhadores

Quando os trabalhadores, saindo da invisibilidade, se apresentam no cenário político e econômico e se expressam no sentido de que planejam uma organização coletiva para tentarem diminuir o prejuízo, buscando, por meio de reivindicações grevistas, atrair para si uma parte maior do capital posto em circulação em função da Copa, logo algum economista de plantão vem a público com a ameaça de que tais ganhos podem resultar em demissões futuras.
Mas, essa possibilidade aventada pelos trabalhadores de se fazerem ouvir na Copa, que pode, em concreto, minimizar o prejuízo dos trabalhadores, no processo de acumulação, e do país, na evasão de riquezas, acabou provocando uma reação institucional imediata, afinal o compromisso assumido pelo Estado brasileiro foi o de permitir que a FIFA obtivesse o seu maior lucro da história. Então, a Justiça do Trabalho se adiantou e divulgou que vai estabelecer um sistema de plantão para julgar, com a máxima celeridade (de um dia para o outro), as greves que ocorram durante a Copa, com o pressuposto já anunciado de que “as greves têm custo para os trabalhadores, empregadores e população”, sendo certo que a Copa não pode ser usada para “expor o país a uma humilhação internacional, como no Carnaval, quando houve greve de garis”.
Pouco importa o quanto a Justiça do Trabalho, historicamente, demora para dar respostas aos direitos dos trabalhadores, no que se refere às diversas formas de violências de que são vítimas em razão das práticas de algumas empresas no que tange à falta de registro, ao não pagamento de verbas rescisórias, ao não pagamento de horas extras, ao não pagamento de indenizações por acidentes do trabalho etc. Mesmo que já tendo melhorado sobremaneira na defesa dos interesses dos trabalhadores, transmite ainda a ideia central de que o que importa é ser célere quando isso interessa ao modelo econômico, que se vale da exploração do trabalho para reproduzir o capital.
A iniciativa repressiva da Justiça, ademais, foi aplaudia, rapidamente, por editorial do jornal Folha de S. Paulo, o qual, inclusive, em declaração, no mínimo, infeliz, chamou os trabalhadores de oportunistas:
É uma iniciativa elogiável para evitar o excesso de oportunismo sindical, que não hesita em prejudicar o público e ameaçar o principal evento do ano no país.
Ou seja, todo mundo pode ganhar, menos os trabalhadores. Parodiando a máxima penal, é como se lhes fosse dito: “tudo que vocês ganharem pode ser utilizado contra vocês mesmos…”
Como foram as condições de trabalho nas obras? Quantos trabalhadores não receberam ainda os seus direitos por serviços que prestaram para a realização da Copa? Segundo preconizado pelo viés dessa preocupação, nada disso vem ao caso… Na visão dos que só veem imperativo obrigacional de realizar a Copa, como questão de honra, custe o que custar, o que importa é que o “público” receba o proveito dos serviços dos trabalhadores e se estes não ganham salário digno ou se trabalham em condições indignas não há como trazer à tona, para não impedir a realização do evento e para não abalar a imagem no Brasil lá fora.
Mas, concretamente, que situação pode constranger mais a figura do Brasil no exterior? O Brasil que faz greves? Ou o Brasil em que os trabalhadores são submetidos a condições subumanas de trabalho e que não permite que esses mesmos trabalhadores, em geral invisíveis aos olhos das instituições brasileiras, se insurjam contra essa situação, tendo que aproveitar o momento de um grande evento para, enfim, ganhar visibilidade, inclusive, internacional?
Na verdade, a humilhação internacional, a qual não se quer submeter o Brasil, é a de que o mundo saiba como o capitalismo aqui se desenvolve, ainda marcado pelos resquícios culturais de quase 400 anos de escravidão e sem sequer os limites concretos da eficácia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais, promovendo, em concreto, uma das sociedades mais injustas da terra.

8. O perverso legado das condições de trabalho na Copa

Do ponto de vista da realidade, é preciso consignar que a pressa na execução das obras ainda tem aumentado a espoliação da classe trabalhadora com elevação das jornadas de trabalho, cuja retribuição, ainda que paga, nunca é suficiente para atingir o nível da equivalência, ainda mais quando são implementadas fórmulas jurídicas fugidias do efetivo pagamento (banco de horas, compensações etc.). O trabalho em jornadas extraordinárias, ademais, gera um desgaste físico e mental do trabalhador que não é computado e não se compensa por pagamento.
Além dos acidentes do trabalho citados inicialmente, portanto, é importante adicionar ao legado da Copa para a classe trabalhadora as más condições de trabalho, caracterizadas pela elevação das jornadas de trabalho, pelo aumento do ritmo do trabalho e da pressão pela celeridade.
O relato de alguns fatos, extraídos do noticiário jornalístico, auxilia na visualização desse contexto de supressão de direitos dos trabalhadores no período de preparação para a Copa.
Em setembro de 2013, 111 migrantes, vindos do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram encontrados em condições análogas à de escravos na obra de ampliação do aeroporto de Guarulhos/SP, o mais movimentado da América Latina, sob a responsabilidade da empresa OAS, que além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, sendo uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport e que para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, obteve do BNDES um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.
E a OAS, evidentemente, declarou que “vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações” do Ministério do Trabalho e Emprego, negando que as vítimas fossem suas empregadas ou que tivesse tido qualquer “participação no incidente relatado” .
Até abril de 2012, conforme reportagem de Vinícius Segalla, oito dos doze estádios da Copa já haviam enfrentado greves, atingindo 92 dias de paralisação, sendo o recorde do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 24 dias. As reivindicações foram variadas, indo desde questões ligadas à remuneração até o desrespeito de direitos como pagamento de horas extras e fornecimento de planos de saúde. Segundo a reportagem, “Em uma das quatro paralisações já ocorridas em Pernambuco, no início de novembro do ano passado, o motivo foi a forma como a Odebrecht lidou com as reivindicações dos trabalhadores. É que a empreiteira demitiu dois funcionários da arena que eram membros da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) porque eles teriam incitado os trabalhadores a fazer greve. A demissão dos operários, junto com denúncias de assédio moral supostamente praticados pelo responsável pela segurança do canteiro, levou os funcionários a decretar greve.”
Também nos termos da reportagem, “a empresa explicou ao UOL Esporte que ‘Os dois empregados membros da Cipa foram demitidos por justa causa, por cometimento de flagrante ato de indisciplina, quando, no último dia 31 de outubro, instigaram os colegas a paralisarem a obra da Arena da Copa, sem nenhuma razão plausível’.” Embora, depois, por meio de nota tenha dito que as dispensas se deram sem justa causa.
A situação, revela a mesma reportagem, foi também bastante séria na greve do Maracanã, em setembro de 2011, cuja motivação, segundo Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), teria sido o fato de que “foram servidos aos cerca de 2.000 trabalhadores da obra macarrão e feijão estragados, salada com bichos e leite fora da validade”, o que fora negado pelo Consórcio Maracanã (Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez), por meio de nota. O local já havia sido alvo de uma greve, um mês antes, agosto de 2011, por causa de uma explosão no canteiro que feriu um trabalhador.
Relata-se, ainda, que em Manaus (AM), na Arena Amazônia, houve paralisação de um dia, em 22 de março de 2012, porque conta do valor da cesta básica que estava sendo paga aos operários, R$ 37, enquanto que “de acordo com pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ), o valor da cesta básica, composta por 12 produtos, fechou o mês de março a um custo R$ 251,38 na capital amazonense”, tendo a greve se encerrado com o aumento da cesta para R$ 60, acompanhado da promessa da empresa de que iria “voltar a pagar hora extra aos sábados, o que parara de fazer três meses antes”.
Na arena de Pernambuco, no início de 2012, foi promovida a dispensa coletiva de 560 empregados, conforme destacado em reportagem de Paulo Henrique Tavares, que vale a pena reproduzir:
A sexta-feira marcou a volta aos trabalhos dos operários responsáveis pela construção da Arena Pernambuco, na cidade de São Lourenço da Mata. E como “boas-vindas”, 560 trabalhadores acabaram recebendo o comunicado de demissão. A expectativa da comissão organizadora da recente greve, que paralisou as obras do estádio por oito dias, é de que outros mil funcionários peçam a carta de dispensa até o fim da tarde.
Por considerar “abusiva e ilegal”, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PE) exigiu, na quinta-feira, a volta aos trabalhos dos grevistas, com penalidade de R$ 5 mil, por dia, ao sindicato da categoria, o Sintepav, em caso de descumprimento. Apesar da obrigatoriedade, a ideia dos remanescentes nas obras da Arena Pernambuco é praticar – como os próprios denominam – uma “operação tartaruga”.
“Eu vim preparado para ser demitido. Como não fui, a maneira que encontrei para ajudar meus companheiros é trabalhar de maneira lenta. Cada prego desta Arena irá demorar pelo menos um dia, para ser colocado”, disse um trabalhador, que preferiu não ser identificado. “Eu não tenho prazo para terminar a obra. Quem tem prazo é o governo.”
Antes das demissões, as obras para a Arena da Copa contavam com 2.437 trabalhadores. Já contando com as saídas desta sexta-feira, cerca de 250 novos operários se apresentaram para o trabalho, em São Lourenço da Mata. “Pelo número de polícias que estão aqui na obra hoje, acredito que eles e o governador Eduardo Campo devem colocar a mão na massa para levantar o estádio até a Copa do Mundo”, falou, em tom irônico, um dos novos desempregados.
Entre as reivindicações, os trabalhadores exigiam aumento de benefícios, como cesta básica de R$ 80 para R$ 120, maior participação nos lucros e resultados (PLR), Plano de Saúde para os profissionais e ajudantes, além de abono dos dias parados e estabilidade de um ano para a comissão dos trabalhadores.
A questão pertinente às condições de trabalho chegou a tal extrema que, na Arena do Grêmio (que não está integrada aos jogos da Copa, mas se alimenta da mesma lógica), em outubro de 2011, os próprios trabalhadores pediram sua demissão, como “forma de protesto pelas condições de trabalho impostas pela empreiteira. A maioria dos trabalhadores é do Maranhão e retornará ainda hoje para seu estado natal.”
No estádio do Itaquerão, os operários disseram, em janeiro de 2014, à reportagem do UOL que estavam recebem salário “por fora” (que impede a tributação e não se integra aos demais direitos dos trabalhadores), “para trabalhar mais do que o previsto pelo acordo e evitar que a inauguração do palco de abertura da Copa do Mundo atrase ainda mais”. Segundo consta da reportagem, “Um soldador que trabalha na obra contou à reportagem que espera receber um salário quatro vezes maior do que o normal neste mês devido às horas extras irregulares que está fazendo”.
Segundo a reportagem, o acordo em questão, firmado com o aval do Ministério do Trabalho e Emprego, em 19 de dezembro de 2013, foi o de que estaria autorizado o trabalho em até duas horas extras diariamente, sendo que, anteriormente, dizem os trabalhadores, havia jornadas de até 16 horas. E, presentemente, as horas além das duas extras permitidas, que já é, por si, grave afronta à Constituição, eram trabalhadas sem marcação em cartão de ponto. “Eles [os chefes] falam para a gente: ‘Não pode atrasar’. Ainda tem muita coisa pra fazer e às vezes é melhor mesmo você trabalhar umas horinhas a mais num dia para terminar uma tarefa e já começa num ponto mais a frente no dia seguinte”, disse à reportagem um ajudante de pedreiro, de 23 anos, que, assim como os outros trabalhadores que conversaram com o UOL Esporte, pediu para não ser identificado.
Nos termos da reportagem, “Além do medo de perder o salário adicional, os funcionários da construtora disseram que foram orientados a não dar entrevistas. ‘Teve uma palestra no fim do ano para falar pra gente tomar cuidado com a imprensa, pra não ficar falando qualquer coisa porque isso só atrapalha a gente’, declara o ajudante de pedreiro.”
Como revela notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, edição de 23/03/14 (p. D-4), foram flagrados pelos jornalistas trabalhadores executando suas tarefas sem as mínimas condições de segurança e de uma subsistência digna em obra do centro de treinamento da seleção da Alemanha no sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália).

9. O atentado histórico à classe trabalhadora

A maior parte dos problemas vivenciados pelos trabalhadores nas obras da Copa está ligada à sua submissão ao processo de terceirização e de precarização das condições de trabalho, que acabaram sendo acatados, sem resistência institucional contundente, durante o período de preparação para a Copa, interrompendo o curso histórico que era, até então, de intensa luta pela melhoria das condições de trabalho no setor da construção civil, que é o recordista, vale destacar, em acidentes do trabalho. Essa luta, implementada pelo Ministério Público do Trabalho, tendo como ponto essencial o combate à terceirização, entendida como fator principal da precariedade que gera acidentes, já havia sido, inclusive, encampada pelo Governo Federal, em 2012, ao se integrar, em 27 de abril, ao Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.
O fato é que o evento Copa, diante da necessidade de se acelerarem as obras, acabou por jogar por terra quase toda, senão toda, a racionalidade que já havia sido produzida a respeito do assunto pertinente ao combate à terceirização no setor da construção civil, chegando-se mesmo ao cúmulo do próprio Superintendente Regional do Trabalho e emprego de São Paulo, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Antônio Medeiros, um ex-sindicalista, declarar, sobre as condições de trabalho no Itaquerão, que: “Se esse estádio não fosse da Copa, os auditores teriam feito um auto de infração por trabalho precário e paralisado a obra. Estamos fazendo de conta que não vemos algumas irregularidades” (entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 03/04/14).
O período da preparação para a Copa, portanto, pode ser apontado como um atentado histórico à classe trabalhadora, que jamais será compensado pelo aludido “aumento de empregos”, até porque, como dito, tais empregos, no geral, se deram por formas precárias. Nas obras o que se viu e se vê – embora não seja visto pelo Ministério do Trabalho e Emprego – são processos de terceirização e quarteirização, sem uma oposição institucional, que, por conseqüência, produz o legado de grave retrocesso sobre o tema, que tende a se estender, perigosamente, para o período posterior à Copa.
Não se pode esquecer que quase todos os acidentes fatais acima mencionados, não por coincidência, atingiram trabalhadores terceirizados, e o Estado de exceção, acoplado ao silêncio institucional sobre as formas de exploração do trabalho (exceção feita a algumas iniciativas individualizadas de membros do Ministério Público do Trabalho) e acatado para garantir a Copa, acabaram servindo como uma luva a certas frações do setor econômico, que serão as únicas, repita-se, que verdadeiramente, se beneficiarão do evento, para desferir novo ataque aos trabalhadores, representado pela tentativa de fuga de responsabilidade da empresa responsável pela obra, transferindo-a à empresa contratada (terceirizada), que possui, como se sabe, quase sempre, irrisório suporte financeiro para arcar com os riscos econômicos envolvidos.
Sobre a morte de José Afonso de Oliveira Rodrigues, a construtora Andrade Gutierrez, responsável pela construção da arena em Manaus, defendeu-se, publicamente, dizendo que Martins trabalhava para a Martifer, empresa contratada para fazer as estruturas metálicas da fachada e da cobertura.
Quando da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, também na obra da arena de Manaus, a Andrade Gutierrez repetiu a estratégia, expressando-se em nota:
É com pesar que a Construtora Andrade Gutierrez informa que por volta das 4h da manhã de hoje, 14/12/2013, o operário Marcleudo de Melo Ferreira, 22 anos, natural de Limoeiro do Norte – CE, funcionário de empresa subcontratada que presta serviços na montagem da cobertura da Arena da Amazônia, sofreu uma queda de uma altura de cerca de 35 metros, sendo socorrido e levado ao Pronto Socorro 28 de Agosto ainda com vida, onde não resistiu aos ferimentos e veio a falecer nesta manhã.
Reiteramos o compromisso assumido com a segurança de todos os funcionários e que uma investigação interna está sendo feita para apurar as causas do acidente. As medidas legais estão sendo tomadas em conjunto com os órgãos competentes.
Lamentamos profundamente o acidente ocorrido e estamos prestando total assistência à família do operário. Em respeito à memória do mesmo, os trabalhos deste sábado foram interrompidos. – grifou-se
Igual postura foi adotada pela Odebrecht Infraestrutura, responsável pela obra do Itaquerão, no que tange às mortes de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos. Eis a nota publicada:
A Odebrecht Infraestrutura e o Sport Club Corinthians Paulista lamentam informar que no início da tarde de hoje um acidente na obra da Arena Corinthians provocou o falecimento de dois trabalhadores – Fábio Luiz Pereira, 42, motorista/operador de Munck da empresa BHM, e Ronaldo Oliveira dos Santos, 44 anos, montador da empresa Conecta. Pouco antes das 13 horas, o guindaste, que içava o último módulo da estrutura da cobertura metálica do estádio, tombou provocando a queda da peça sobre parte da área de circulação do prédio leste – atingindo parcialmente a fachada em LED. A estrutura da arquibancada não foi comprometida. Era a 38ª vez que esse tipo de procedimento realizava-se na obra e uma peça de igual proporção foi instalada há pouco mais de uma semana no setor Sul do estádio. Equipes do corpo de bombeiros estão no local. No momento, todos os esforços estão concentrados para oferecer assistência total às famílias das vítimas.
E para demonstrar que a terceirização, com a utilização da estratégia de se eximir de responsabilidade, não é privilegio da iniciativa privada, quando houve a morte de José Antônio do Nascimento na obra do Centro de Convenções do Amazonas, desenvolvida pelo Centro de Gestão Metropolitana do Município de Manaus ao lado da Arena da Amazônia, a entidade em questão expediu a seguinte nota:
O funcionário da Conserge, empresa que presta serviço para a Unidade de Gestão Metropolitana, José Antônio da Silva Nascimento, de 49 anos, morreu de infarto por volta das 9h da manhã deste sábado (14 de dezembro), quando trabalhava nos serviços de limpeza e terraplanagem para o asfaltamento do Centro de Convenções da Amazônia, localizado na Avenida Pedro Teixeira.
José Antônio se sentiu mal quando subiu em uma caçamba. Uma ambulância do Samu foi acionada imediatamente para realizar o atendimento, mas o trabalhador não resistiu. A Conserge está dando toda a assistência necessária à família da vítima.
Segundo a família de José Antônio, este trabalhava sob pressão devido ao atraso na obra. “Ele trabalhava de domingo a domingo”, afirmou sua cunhada, Priscila Soares.
Por ocasião da morte de Antônio José Pitta Martins, técnico especializado em operações de guindastes de grande porte, que veio de Portugal para trabalhar na obra da Arena da Amazônia, tendo sido atingido na cabeça por uma peça de ferro que se soltou de um guindaste, novamente a fala se repete. Em nota oficial, a empresa responsável técnica pela obra, Andrade Gutierrez, destaca que o trabalhador não era seu empregado, ao mesmo tempo em que deixa claro que “o acidente não interferiu no seguimento das obras”
Eis o teor da nota:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A Construtora Andrade Gutierrez informa que, por volta das 8h da manhã de hoje, 07/02/2014, um técnico de guindaste de grande porte, funcionário da empresa Martifer, sofreu um acidente nas dependências do sambódromo enquanto desmontava a máquina utilizada nas obras da Arena da Amazônia. O guindaste, que auxiliava os trabalhos da Arena, já estava com as operações encerradas desde 11/01/2014 e desmobilizado em uma área externa. O operador foi socorrido pela equipe de Segurança do Trabalho e levado pelo SAMU até o hospital 28 de Agosto, onde teve seu quadro de saúde estabilizado e foi transferido para o hospital João Lúcio. O acidente não interferiu no seguimento das obras da Arena da Amazônia. – grifou-se
A empresa Martifer Construções Metalomecânica S/A, por sua vez, emitiu nota de pesar, noticiando que iria “apurar as causas do acidente”.
A última morte foi a de Fabio Hamilton da Cruz, que se deu em acidente ocorrido no Itaquerão, após uma queda de oito metros de altura. Fabio, conforme foi várias vezes frisado pelos envolvidos, com difusão na imprensa, era empregado da WDS, uma subcontratada da Fast Engenharia, que fora contratada pela AmBev, que aceitou bancar os 38 milhões de reais para colocação de arquibancadas provisórias, exigidas pela FIFA para que o estádio tivesse a capacidade de público necessária para receber a abertura da Copa do Mundo.

10. A culpabilização das vítimas

A respeito do acidente de Fábio Hamilton da Cruz, o Delegado designado para verificação do ocorrido, após ouvir alguns relatos, um dia depois do ocorrido, sem a realização de qualquer laudo técnico, já concluiu que teria havido um “excesso de confiança” da vítima.
Essa foi, ademais, outra forma de agressão aos direitos dos trabalhadores que a pressa para a realização da Copa acabou reforçando, a da culpabilização da vítima nos acidentes do trabalho.
Ora, como o próprio nome diz, o acidente do trabalho é um sinistro que se dá em função da realização de trabalho em benefício alheio, ao qual, independente da postura da vítima, fica obrigado a reparar o dano, já que o risco da atividade econômica lhe pertence (art. 2º. da CLT) e, consequentemente, é de sua responsabilidade o cuidado com o meio ambiente de trabalho.
É extremamente agressivo à inteligência humana, servindo, inclusive para fazer prolongar no tempo o sofrimento da vítima ou de seus familiares, o argumento, daquele que explora com proveito econômico o trabalho alheio, de que “vai apurar” o ocorrido, deixando transparecer no ar uma acusação, que nem sempre é velada, de que a culpa pelo acidente foi do trabalhador.
Veja-se, por exemplo, o que se passou no caso do Raimundo Nonato Lima Costa, que morreu após uma queda de 35 metros na Arena da Amazônia. Em nota de pesar pela sua morte, a responsável técnica pela obra não teve o menor receio, inclusive, de fazer uma acusação generalizada aos trabalhadores, apontando-os como responsáveis por sua própria segurança. Diz a nota.
NOTA DE PESAR
A Andrade Gutierrez lamenta a morte do operário Raimundo Nonato Lima Costa, ocorrida na noite desta quinta-feira, durante o turno noturno da obra da Arena da Amazônia. A empresa providenciou apoio imediato à família do funcionário e aguarda o resultado dos trabalhos da perícia técnica que foi iniciada pela Polícia Civil com o objetivo de apurar as causas do ocorrido.
A Andrade Gutierrez reitera o compromisso assumido com a segurança de todos os seus funcionários e informa que intensificará o trabalho de conscientização dos operários com foco na prevenção de acidentes.
Por ocasião da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, na mesma Arena, já mencionada acima, o secretário da Copa em Manaus, Miguel Capobiango, foi além na agressão aos trabalhadores e desferiu o ataque de que as duas quedas fatais até então havidas na Arena tinham sido fruto do “relaxo” dos operários na utilização dos equipamentos de segurança. “Usar o equipamento de segurança às vezes é chato e nem todos gostam de estar usando. O operário às vezes abre mão por preguiça, então ele relaxa, e é isso que agora nós não podemos deixar”. “Infelizmente, os dois acidentes aconteceram por uma questão básica de não cuidado do trabalhador no uso correto do equipamento.”
E, sobre a morte de Fabio Hamilton da Cruz no estádio no Itaquerão, disse Andrés Sanches: “Na vida, cometemos erros e excessos. Já dirigi carro a 150 km/h. Eu não bebo. Vocês já devem ter dirigido “mamados”. Infelizmente, cometemos erros que acabam em fatalidade. Realmente, é padrão na construção civil.”

11. O retrocesso social e humano da Copa

Bem se vê que o legado maléfico para os trabalhadores brasileiros com a Copa não está apenas nas más condições de trabalho e nos conseqüentes oito acidentes fatais (não se contando aqui os vários outros acidentes do trabalho que não resultaram em óbito), o que, por si, já constitui um grande prejuízo, ainda mais se lembrarmos que as obras para a Copa da África em 2010 deixaram 02 mortes por acidente do trabalho, está também na tentativa explícita de culpar as vítimas, buscando atingir a uma impunidade que reforça a lógica de uma exploração do trabalho alheio pautada pela desconsideração da dignidade humana.
A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos.
O passo fundamental é o de recuperar a consciência, pois a porta aberta às concessões morais e éticas para atender aos interesses econômicos na realização da Copa tem deixado passar a própria dignidade, o que resta demonstrado nas manifestações que tentam justificar o injustificável apenas para não permitir qualquer abalo na “organização” do evento. Foi assim, por exemplo, que o maior atleta do século XX e melhor jogador de futebol de todos os tempos, o eterno Pelé, chegou a sugerir, mesmo que não tenha tido uma intenção malévola, que mortes em obras são fatos que acontecem, “são coisas da vida” e que se preocupava mesmo era com o atraso nas obras dos aeroportos; que o competente e carismático técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, ainda que sem querer ofender, afirmou que a solução para o problema do racismo no futebol é ignorar os “babacas” que cometem tais ofensas, pois puni-los não resolve nada; e que o Ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, cogitou pedir para que os cidadãos brasileiros economizassem energia a fim de que não faltasse luz na Copa.
A postura subserviente, para satisfazer os interesses da FIFA, chegou ao ponto extremo de algumas cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal e Fortaleza, terem atendido pedido feito, com a maior cara de pau do mundo, pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, para que as cidades sedes de jogos da Copa concedessem transporte gratuito – algo que o Movimento Passe Livre está lutando, e sofrendo, para conseguir há anos –, sendo que a concessão, diversamente do que tem buscado o MPL, não se destina às pessoas necessitadas, mas aos torcedores dos jogos da Copa, que possuem condições financeiras para pagar os altos preços dos ingressos, que chegaram a ser vendidos, no paralelo, por até R$91 mil…
É de suma importância deixar claro, para a nossa compreensão e para a nossa imagem no mundo, que temos a percepção de todos esses problemas, que não o aprovamos e que estamos dispostos a enfrentá-los e superá-los.
O autêntico efeito positivo da Copa – realizada, ou não – será a constatação de que a classe trabalhadora se encontra em um estágio de consciência que lhe permite compreender que a Copa reforça e intensifica a lógica da exploração do trabalho como fonte reprodutora do capital, favorecendo ao processo de acumulação da riqueza, ao mesmo tempo em que permite a institucionalização de uma evasão oficial de divisas. A partir dessa compreensão, a classe trabalhadora não se deixará levar pela retórica de que o dinheiro dos turistas vai estimular o crescimento e gerar empregos, até porque ao se inserir na mesma lógica capitalista o dinheiro não é revertido à classe trabalhadora, à qual apenas é remunerada, sem o necessário equivalente, pelo trabalho prestado, direcionando-se, pois, a maior parcela do dinheiro em circulação em função da Copa às multinacionais aqui instaladas, especialmente no setor hoteleiro e nas companhias aéreas.
Cada trabalhador, pensando em sua atividade e em seu cotidiano de ganho e de trabalho durante a Copa, ou antes, que responda: teve ou terá algum ganho na Copa que não provenha do trabalho? Este trabalho é prestado em que condições? O eventual acréscimo de ganho está ligado ao aumento da quantidade de trabalho prestado? Que o digam, sobretudo, os jornalistas!!!
Claro que uma ou outra experiência comercial exitosa, desvinculada da dos protegidos da FIFA, pode ocorrer, mas isso por exceção. E, cumpre repetir: mesmo que no geral a Copa produza resultados econômicos satisfatórios, não se terão, com isso, justificadas as supressões da ordem jurídica constitucional, já havidas no período de preparação para o evento, e as violências sofridas por diversas pessoas, e, em especial, a classe trabalhadora, no que tange aos seus direitos sociais e humanos.
Este é o ponto fundamental: o de não permitir que a Copa e a violência institucional posta a seu serviço furtem a nossa consciência, que está sendo duramente construída, vale lembrar, após 21 anos de ditadura, seguida de 15 anos de propaganda neoliberal. A produção dessa consciência é extremamente relevante para que o drama das diversas pessoas, vitimadas pela Copa, não se arraste por muito mais tempo, sofrimento que, ademais, só aumenta quando, buscando não abalar eventual euforia da Copa, se tenta desconsiderar a sua dor, ou quando, partindo de uma perversão da realidade, argumenta-se que as pessoas que são contra a Copa (mesmo se apoiadas nos motivos acima mencionados) fazem parte de uma conspiração para “contaminar” a Copa, apontadas como adeptas da “violência”, sendo que para a ação dessas pessoas (que, de fato, carregam um dado de consciência), o que se reserva é o contra-argumento da “segurança pesada”.
O desafio está lançado. O que vai acontecer nos jogos da Copa, se a “seleção canarinho” vai se sagrar hexa campeã, ou não, não é decisivo para a história brasileira. Já o tipo de racionalidade e de reação que produzirmos diante dos fatos sociais e jurídicos extremamente graves relacionados ao evento vai, certamente, determinar qual o tipo de sociedade teremos na sequência. Boa ou ruim, a Copa acaba e a vida concreta continua e será boa ou ruim na medida da nossa capacidade de compreendê-la e de interagir com ela, pois como já disse Drummond:
Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.
São Paulo, 21 de abril de 2014.

*Jorge Luiz Souto Maior é professor livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP, Brasil desde 2001. É juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí desde 1998, palestrante e conferencista.